Garotinha aborrescente da vovó.
Por que desejo tanto, insisto tanto, a fim de que se
desligue do celular?
Imagine!
Vendo seu lindo delicioso saboroso semblante coladim
na tela; mirando seu corpo jovem entrando no ar…
Uh! Sinto-me absolutamente só no imenso Uni/verso.
Desespero-me, pois a princesa meu amor escapa do meu
solo coração.
A seu lado, agarradinha casta sem beijo, tenho tanto
medo de tomar a caipivodka…
Lara, Bóris, Roger, please, tonta assim,
segurem-me. Caio, evacuando sobre o vácuo!
Os deuses se ofendem com a hybris alcoólica. Ordenam
meu ostracismo.
Lá se dispersou a doce presença dela, Star girl.
Atravessado o caminho da realidade, Estela palíndroma
dissipa-se do meu mais profundo olhar.
Ando de trás para frente, vice-versa. Dê-me,
flor, mínima ternura. Olhe para por mim.
Tento segurá-la pela fímbria da blusa. Vã esperança.
Detrás do visor, outros a convidam:
- Aqui, tudo é verdadeiro. Salte
desse falso Spotlight, gata. Mergulhe para longe desse NÃO fantasioso. Comendo,
repare num átimo de si, todos são de carne. Sangue, Osso.
Nós somos fortes simulacros. Impossível, algum
desfazimento.
No filme, minha pequena aceita o pulo do gato. Zás.
Vira fashion stargirl.
Um tsunami de dolorosa incerteza avança sobre mim.
Perigo no mar de Maria. Naufrágio.
O que é isso? Torrentes de ciúme e inveja trovejam
sobre a planta verde de meu egoísmo.
Ainda suplico, muda:
- Não fuja, anjo diáfano! Preciso
sabê-la viva. Anseio por sua constância na terra dos homens. Seja!
Tolice! À meia-voz, interrompe-me o tom o cristal
prolixo daquele objeto tecnológico...
- Volte da névoa para que eu possa
retornar à existência concreta, neta. Perceba. O fulgor ideal do aparelho móvel
obnubila-me a paisagem barulhenta de pratos samba e talheres.
- Gosta, Estelinha, de surubins no
espeto?
Bobagem. Ela se foi.
Vestida de cinza, partiu-se a imagem querida.
Do outro lado do Hades, Caronte a deixou, sombria
Eurídice.
E nem tenho idade para nadar. Ondas nos submergem.
Às dezesseis horas, domingo, meu filho papai seu, pára
o carro frente onde eu habito.
- Você não vem hoje, vó? Ganhei o
jogo Mortal Combate. Vamos.
Vou? Inútil querer. Lançarei os dados na mesa de
feltro na forma idêntica ao poeta Mallarmé. De novo, você rirá do estilo antigo
ingênuo da velhota.
- Tampe as cartas ao adversário.
Não revele o segredo do labirínto, vovó. Preste atenção!
Então, o dinossauro... oops! o menor taurus nos
devora, parceira.
Permaneço resto do fim de semana dentro do apartamento
com Bach.
Melhor também agarrar o iPhone 7.
Ver se existe alegria na fantasia dos conectados.
Disco números à revelia.
Ai! Duas vezes errei, caçando Estela.
Primeiro, no Restaurante, ela de máscara branca
fechada.
Para que tanto esplendor do cetim bordado, perante
minha ofuscada visão?
Agora, ei-la voando para o Villa da Serra. Leva o
modelo 11 com que a presenteei.
- Vó compra o 13.
- Tijolo.
Monossilábica. Rápida.
Oh, reclamo, clamo no deserto.
Sim. Há tempos, estendi os braços atrás do vulto.
Você, netinha, jubilosa e tenra, sacode a mãozinha de
unhas roídas. Afunda-se no videogame.
- Adeus. Adeus, vó.
Somente o vazio, quando a bateria se rende à fiel
amante.
Ponto final.
Ainda jazo um minuto presa à ferragem do prédio
Amaralina. Lar.
O motor explode, sobe fumarenta a espaçonave.
Começa o episódio do Monstr Ghioday em Urano. É o
nono.
- Vamos, Estela.
Graça Rios
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