QUANDO VIVER DEIXA DE VALER A PENA

 

Manhã de domingo. Rolando a tela do smartphone em busca de uma notícia leve e agradável para adoçar (de forma diet) o final de semana, tenho a atenção voltada para uma reportagem sobre Alain Delon, notícia que não era – vi logo depois – nem um pouco leve ou agradável.

Para quem não sabe, Alain Delon foi um ator francês de grande sucesso nos anos sessenta e setenta. Entre seus filmes, destacam-se Rocco e Seus Irmãos, O Sol Por Testemunha, Os Sicilianos (do qual guardo uma agradável lembrança por causa da trilha musical, composta por Ennio Morricone, um de meus elepês favoritos, em gravação de Raymond Lefrève – Le Clan des Siciliens, veja no YouTube).

Confesso que não tinha muita simpatia por ele, o Alain. Por pura bobagem de minha parte, já que o associava a Jean-Paul Belmondo, outro ator francês. Enquanto Alain Delon era muito bonito (foi considerado o homem mais belo do mundo), Belmondo era narigudo e feio. No fim, a feiura de um acabou contaminando a beleza do outro, e acabei desgostando dos dois.

Talvez meu preconceito tivesse a ver com a escola de cinema francês de muito sucesso na época, chamada Nouvelle Vague. Que podia ser artística, mas que eu considerava de uma chatice sem tamanho. Os diretores usavam câmeras preguiçosas, que ficavam em determinada tomada por longo tempo. Por exemplo, enquanto rolava uma cena de galinhas ciscando no quintal, você podia sair da sala de projeção, fumar um cigarro no hall e ir depois ao banheiro dar uma mijada (mulher faz xixi) – quando voltava pra sala, ainda lá estavam as galinhas ciscando. (Mas não seria essa uma peculiaridade do Cinema Novo brasileiro?)

Alain Delon, que era um ator muito bonito e não fazia esse tipo de filme, acabou caindo no meu conceito por um crime que não cometeu.

Quanto à reportagem do domingo (já estava até me esquecendo), ela dizia algo que me chamou sobremaneira a atenção: Alain Delon estava orientando seu filho Anthony para que providenciasse sua eutanásia, ou morte assistida.

Estando com 86 anos e morando na Suíça, onde tal prática é permitida, ele considerava que esse seria o desfecho natural de sua vida. Ou seja: ele pensa que a vida, a partir de certo momento, só dá prejuízo. Usando de linguagem matemática, seria dizer: a vida deixa de ser adição e passa a ser subtração. Passamos a perder tudo que era bom e adquirimos só coisa ruim.

Recorrendo à analogia de uma baciada de jabuticaba (que você vai ‘plocando’ aos poucos, tendo o cuidado de deixar as maiores e mais saborosas para o final), assim também deveria ser a vida: acabar de maneira saborosa, e não de forma amarga, com dor pra tudo quanto é lado.

Sob determinada perspectiva, Alain Delon tem lá suas razões. Já que a morte é inevitável, que ela venha sem sofrimento. O problema é determinar a hora de se colocar um ponto final em tudo.

Se eu for me espelhar em exemplos ao meu redor, vou ficar sem saber qual esse momento.

Uma vizinha, por exemplo, sempre disse ter desapego com a vida. Depois dos cinquenta anos, então, achou que sua vida era só lucro, que Deus a levasse quando quisesse.

Mas aconteceu de sua filha casar e, logo depois, engravidar. A vizinha pediu a Deus:

- Meu bom Deus, adia um pouco minha ida para seu encontro: deixe eu ver minha netinha crescer um pouco, pelo menos até aos cinco anos.

A netinha cresceu, foi para a escola. A vovó quis acompanhar seu desenvolvimento até a formatura, que Deus ‘quebrasse esse galho’, se não fosse pedir demais. A menina virou adolescente, começou a namorar, e a vó precisava acompanhar, dar seus conselhos, que Deus entendesse mais um alongamento. Depois, a moça casou... engravidou, e a história da vizinha registra um novo capítulo. Está ela agora com seus 83 anos, cheia de cuidados com a bisneta. Para Deus, ela diz assim: - Meu bom Deus, o senhor sabe que sempre me coloquei em suas mãos. Quando quiser, pode me levar dessa vida. Agora, se não for pedir demais, deixe eu acompanhar os estudos de minha bisnetinha. Depois disso, não vou incomodar mais o senhor...

Outro vizinho tem uma maneira peculiar de encarar a vida. Leva tudo com leveza e bom humor: analfabeto, sem saber olhar a hora, busca se orientar pelo Sol (quando chove, procura sentir a barriga); quando perdeu o dedão do pé inflamado, diante da pergunta: “e o dedo?”, respondia sorrindo: “ah, o dedo ficou com o doutor Alfredo”; cada vez mais surdo, vai aos poucos desistindo de conversar com as pessoas; perguntado com está passando, olha para o céu e responde: estou aqui aguardando quando o Senhor quiser me levar.

Esse vizinho ficava sentado na soleira da porta de sua casa, observando o trânsito de carros na rua, as pessoas que passavam. De uns tempos para cá, ele se recolheu. Parentes falam que ele permanece mais deitado na cama. Imagino que fica olhando para o teto do quarto, esperando o chamado de Deus. A imagem que imagino dele é de uma vela que, aos poucos, vai se apagando, apagando, apagando, até apagar de vez.

Enfim, um exemplo que tem analogia com a bacia de jabuticaba vem do cantor Sidney Magal. Ele afirma que sempre encarou os diferentes aspectos de sua vida desta forma, com início, meio e fim. “Mas esse fim não precisa ser amargo. Ele pode ser um fim digno, cheio de lembranças e com o coração repleto de coisas boas”. Neste caso, problema são as dores localizadas e difusas. Mas isso seria tema para outra conversa, que já ultrapassei em meia lauda o limite suportável de um texto digerível.

Etelvaldo Vieira de Melo

2 comentários:

Anônimo disse...

Querido Etevaldo!
Discordo quando diz que as melhores coisas da vida deveriam ficar para o final. Acho que vivemos muito bem cada fase e que Deus é muito sábio em nos deixar o prazer do envelhecimento. Afinal, se não chegarmos lá é porque morremos cedo e nem tivemos essa chance de uma vivência talvez mais solitária, mas também de maior experiência. Sinto-me satisfeita com minha vida de idosa. É claro que nem tudo são flores! Mesmo a Rosa, sendo tão linda, não deixa de ter seus espinhos!
Silvana

Anônimo disse...

Belo texto Etelvaldo, me endentifico muito com o da vizinha,achei que já estava no lucro ,depois de um infarto veio a aposentadoria, agora já tô pronto sem muitos objetivos, aí veio o casamento da minha filha,já resolvi continuar a trabalhar, veio a netinha aí é como o texto diz,mudei de vez meus planos e espero poder curtir seu crescimento e se Deus quiser é ele à de querer ve-lá formar etc.etc. abraço de seu sobrinho Aloisio .

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