LAVA JATO & GABINETE DO ÓDIO

- Carlos... “Carluxo”. Posso chamar você de “Carluxo”?

- Dentro da máxima de que ‘chumbo trocado não dói’, só se você permitir chamá-lo de “Marreco de Londrina”.

- Melhor não. Esse apelido me magoa, que só você vendo.

- Então, senhor Sérgio Moro, vamos conversar sobre a sua Lava Jato e o meu Gabinete do Ódio, sabendo que o que dissermos aqui só será revelado daqui a 100 anos.

- Muito boa essa ideia de seu pai. Se eu tivesse feito o mesmo com a Lava Jato, teria evitado muito aborrecimento.

- Não sei como você poderia fazer uma coisa dessa.

- Podia, sim. Naquele tempo, estávamos com ‘a faca e o queijo nas mãos’. Qualquer coisa que fizéssemos seria aprovado pelo Supremo, pelo Congresso e pela Imprensa. Demos bobeira.

- Mas fizeram muito: o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a consequente eleição de papai.

- Quá! Isso foi ‘mamão com açúcar’. Nem precisamos provar nada. Só precisei alegar “fortes suposições”.

- Verdade, Serginho. Sua Lava Jato foi mesmo uma Lava PaTo, além de plantar a demonização da política, com meu pai aproveitando para aparecer como o novo, o antissistema.

- Embora ele estivesse atolado lá por mais de 30 anos. Mas o que o seu Gabinete do Ódio viu de mais interessante na nossa operação?

- Não vou mencionar o cuidado que vocês tiveram em ferrar o PT – isso todo mundo está cansado de saber. O que nos chamou mais atenção foi terem usado a ‘Delação Premiada’, com a máxima de que ‘os fins justificam os meios’. Com isso, abriram as portas para que a gente usasse de todo tipo de sacanagem e mentira para a eleição de papai.

- De fato, usamos e abusamos dessa máxima. Plantando mentiras todos os dias, vocês mostraram que aprenderam bem a lição.

- Dominamos tanto essa técnica que, hoje, já convencemos todo mundo que Lula é a favor do aborto, quando, na verdade, é meu pai que é a favor.

- Sim. Li em algum lugar que ele tentou forçar sua segunda esposa, Ana Cristina, a abortar o Nº 4, o Jair Renan. Suspeitava que não fosse filho seu. Só depois que fizeram exame de DNA é que assumiu a paternidade. Ah, se essa história chegasse aos ouvidos dos 'pentecostais' (*)!

- Sem problemas. Eles ouvem só o que lhes interessa. Mas, aqui entre nós, vocês da Lava Jato não jogaram para colocar o PSDB no Poder?

- De fato. Essa era a nossa intenção. No entanto, o Aécio ‘Mineirinho’ foi com muita ‘sede ao pote’: roubou tanto que não tivemos como defendê-lo. Mas logo depois surgiu o seu pai e pudemos ‘trocar seis por meia dúzia’. Deu até para dar uma mãozinha, com a delação do Palocci às vésperas do 1º Turno de 2018.

- Isso não foi de graça: prometemos para você o Ministério da Justiça.

- Quá! Eu estava de olho no Supremo.

- De qualquer modo, somos gratos a você e sua turma. Afinal de contas, a ideia de combater a corrupção sempre agrada aos trouxas.

- No frigir dos ovos, perdi o Ministério, mas ganhei um mandato de 8 anos no Senado.

- Nada mal. Se tiver um pouco de consideração, está na hora de acertarmos uma rachadinha...

- Carlos, Carlos, não seja ambicioso! Vocês têm, agora, tanto lugar onde roubar! Aquele ministro da Educação, por exemplo, deve ter dado para vocês algumas barras de ouro.

- Certo. Mas dinheiro nunca é demais. Principalmente dinheiro vivo. Todavia, não vamos sair do assunto inicial. Pergunto: o que chama sua atenção no ‘modus operandi’ da Gabinete do Ódio?

- Várias coisas. Mentir, por exemplo. Vocês aprenderam direitinho com Hitler, quando disse que uma mentira, de tanto ser repetida, acaba se tornando uma verdade.

- Não nos interessa tanto tornar uma mentira verdade. Ela precisa ser verdade até nosso gado a engolir e a oposição gastar seu tempo tentando refutá-la.

- Seu pai, o senhor Jair, mente tanto que já nem sabe quando está dizendo uma verdade.

- E além da mentira?

- Achei muito legal vocês envolverem a religião com a política. Deu certo em 1964 e está dando muito certo agora. Copiaram bem o lema fascista “Deus, pátria, família e liberdade”: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

- Os religiosos, principalmente os pentecostais, têm uma mentalidade muito curta. É só falar na ameaça do comunismo, na liberação do aborto, para eles aderirem cegamente.

- Mas eu não entendo: ao mesmo tempo que fala isso para os 'cristãos', seu pai fala em armamento, fuzilar pessoas, comer carne de índio, “pintar clima” diante de garotas adolescentes, enquanto ridiculariza mulheres, negros e povos indígenas...

- Isso acontece porque os criadores das redes sociais, através de algoritmos, fizeram o favor de dividir os grupos em ‘bolhas’. Então, fica fácil: nossas mensagens são todas individualizadas, falamos para cada um o que ele quer ouvir.

- Já sei: pra um vocês falam em comunismo; pra outro, ideologia de gênero; para um terceiro, aborto; para o quarto, corrupção; um quinto, armamento; para as viúvas da Ditadura, acenam com um golpe; nas mãos de uns vocês deixam o ‘orçamento secreto’; nas de outros, transformam altos cargos em cabides de emprego, com direito a Viagra e próteses penianas; e, assim, vão atendendo a todos os gostos e desgostos.

- Afinal, quero concluir, o povo tem o governo que merece. Papai representa direitinho a maioria das pessoas, já que cada uma não deixa de ser, um pouquinho que seja, machista, racista, individualista, intolerante, truculenta, estúpida e até mesmo ingênua e de boa-fé. Modéstia à parte, meu pai é o suprassumo de tudo isso.

- É, pelo que estou vendo, ele tem tudo pra ser nosso ditador, igualzinho ao Maduro. Quá quá!

- Melhor, muito melhor. Igual a ele é impossível, pois só o nosso Mito tem a Marca dos Três Is: Incomível, Imorrível, Imbrochável.

PS: A bem da verdade, quando emprego o termo 'pentecostal', estou me referindo a um segmento de católicos e evangélicos. E também a um grupo que se diz católico ou evangélico, mas que não é nada disso.

Etelvaldo Vieira de Melo

A VIRGEM DO PINTASSILGO

 

Maddona florentina nos convida a beirar caminhos virtuosos. Passeemos, pois, na sagrada frondosa estrada. Interroguemos ao aldeão se ali florescem vides. Se acolá brotam roseiras, palmas, romeiras. Se há frutas dentro da escura sombra. Se a leiva outonal aguarda, doida doída, pela grainha. Acastelemo-nos acima da macia alfombra do prado. Nasce Eros, procurando verde alcatifa. Ele, fruto maduro dos numes Poros e Pênia, desliza seminu sobre nenúfares. Abranda ventos Alísios. Coroa louras melenas, haurindo cachos d’água miosótis. Cinge a real cintura com flores de lótus. Anexemos-lhe nossos pés. Envereda-se, empíreo herói, por abismo, espinho, senda, a fim de catar amora sob o místico aroma do Jardim dos Deuses. Ali, cirandinha, roda rasas asas em torno d’Ave mansa. Súbito, pousa-lhe no ombro, ferido, gentil passarinho. E voa e gorjeia e trina hinos, embora manchado na testa por divinal sangue. Louvemos tão destemido cantor. A seguir, em par mimoseiam Rafael. O angélico pintor os glorifica, modelando silvestre paisagem. Compoesita a favor de ambos um arco-íris em forma de círculo, 8 semelhante à serpente que morde seu próprio rabo. Recorda-se Jove: Eis Ouroboros, presente no enigmático ‘Livro do Mundo Inferior.’ Ressentido, Filho do Éter aplica na tela detalhes pseudo-autorais. A pincel de cinco cabelos, interrelaciona Hades, Olimpo, Oceano, Terra, em completa harmonia. Afinal, aceitemos, Amor, penetrar nesse augusto festim. Emudeçamo-nos lado a lado com o Menino Jesus, apoiados no colo da Virgem.

Graça Rios


CONVERSAS SURREALISTAS (EDIÇÃO ESPECIAL/PONTA DE ESTOQUE)



Deus acima de tudo?

- Você não tem medo?

- Medo de quê?

- Estou vendo que pregou um adesivo do Bolsonaro no vidro traseiro de seu carro.

- E daí?

- Não tem medo de que alguém quebre o vidro, risque a pintura?

- De jeito nenhum.

- É que um amigo colou um adesivo de Lula e arrebentaram o carro do pobre coitado.

- Ká ká ká ká...

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- Você viu?

- Viu o quê?

- Uma declaração do Bolsonaro dizendo que não teria problema algum em comer carne de índio?

- Não. Mas tem alguma passagem na Bíblia dizendo que é proibido comer carne de índio?

- ???

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- A Damares falou que possui vídeos provando que crianças de 4 anos da Ilha de Marajó têm seus dentes arrancados para a prática sexual.

- Que horror!

- Crianças também têm uma alimentação pastosa para facilitar a penetração anal.

- Que horror!

- Você só sabe falar “que horror”?

- Ainda bem que temos a Damares para fazer essas denúncias.

- Mas é tudo mentira!

- Entre a sua opinião e a opinião da Damares, fico com a Damares, que ela é uma pessoa pura e nem precisa provar nada. E viva Bolsonaro! E fora o Comunismo!

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- Morro de medo do Lula.

- Por quê?

- Ele é a favor do aborto.

- Onde você ouviu isso?

- Lá na igreja.

- Lá na sua igreja falaram também que, quando nasceu seu filho, o 04, Bolsonaro queria de todo jeito que sua mulher de então fizesse aborto, que ele até achava que o filho não era dele?

- Seu comunista! Vai pra Venezuela!

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- Eu amo o Bolsonaro!

- Por quê?

- Veja o tema bonito de sua campanha: Deus, Pátria, Família, Liberdade!

- Mas ele copiou isso dos fascistas!

- Mentira! Que vergonha! Espalhando fake news!

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- Bolsonaro e as pessoas de bem são a favor da liberdade de expressão, da moralidade, dos bons costumes, da família.

- Ah, é? Falando em família, quantas ele tem?

- Seu comunista! Cala o bico, senão vou arrebentar sua boca de porrada!

- E seu ministro da Educação, que roubava barras de ouro?

- É por isso que sou a favor da Ditadura! Esses comunistas só falam mentira!

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- O feijão está custando o ‘olho da cara’!

- Por que você não segue o conselho de Bolsonaro e compra fuzil? Lembre-se: povo armado jamais será derrotado!

- E povo com fome?

- Tem mais é que morrer.

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- Já disse e volto a repetir: Bolsonaro defende a moralidade, a família, os valores cristãos.

- Tá. E quando ele dizia pra sua colega deputada que só não a estuprava porque ela era muito feia?

- Esta citação está fora de contexto.

- E quando ele disse que, ao ver umas garotas de 14, 15 anos, “pintou um clima”. Isso não é pedofilia?

- Pedofilia é sua mãe, seu excomungado! Ainda arrebento a sua cara.

⇰⇰⇰ 

- Temos que reconhecer: Bolsonaro fez muito pelas pessoas em geral, nos seus quatro anos de governo.

- Por exemplo...

- Acabou com o Horário de Verão.

- Isso não vale. Fale outra.

- Criou o PIX?

⇰⇰⇰ 

- É um absurdo dizer que Bolsonaro não contribuiu com o enriquecimento cultural das pessoas no seu governo!

- Cite um exemplo de sua contribuição.

- Foi no seu governo que as pessoas ouviram falar de uma tal Ideologia de Gênero, ficaram sabendo da  Venezuela, Cuba, Nicarágua...

- E da China?

- Da China elas já sabiam, por causa das lojas de Hum e Noventa e Nove.

FIM 

Etelvaldo Vieira de Melo

IDEIAS SALGADAS E DEFUMADAS

 

Engana-se quem pensa que filósofo vive no ‘mundo da lua’, preocupado tão somente com questões aéreas e voláteis. Para mostrar que não é bem assim, vamos recorrer ao exemplo de Francis Bacon, filósofo inglês que viveu por volta de 1500.

Além de cuidar das questões ditas filosóficas, através de seus célebres Tratados, Bacon também se envolveu com a política, ocupando vários cargos. Daí, como quase sempre acontece com quem é do ramo, acabou sendo acusado de corrupção, tendo que pagar pesada multa, além de ser afastado da vida política.

A lembrança de Francis Bacon me ocorre por duas razões. A primeira é uma pergunta que me faço: tem Bacon algo a ver com essa peça de carne de porco, salgada e defumada, e que se tornou uma das maravilhas da culinária mundial?  Falando da peça de carne, sabemos que o processo de defumação existe desde a Antiguidade; então, há quem diga que foram os chineses que desenvolveram esse processo acerca de 4 mil anos. No entanto, o bacon, tal como o conhecemos, acredita-se que foi inventado pelos alemães, no período medieval. Quando os franceses levaram a receita dos vizinhos alemães à Inglaterra, ela sofreu alterações. Os ingleses o produziam de uma maneira muito próxima da que conhecemos hoje, um corte das costas do animal desidratado com sal e defumado.

Aceitos esses dados históricos, concluo, com base em fortes suposições (técnica de raciocínio que aprendi com Sérgio Moro, vulgo ‘Marreco de Londrina’), que Francis Bacon era oriundo de uma família especializada em criação de porcos, produzindo em larga escala o que era chamado de “bacon”. Tanto isso é verdade, que passaram a adotar esse sobrenome, Bacon.

Avançando um pouco mais nessas suposições, ouso afirmar que o ator norte-americano Kevin Bacon, astro de Footloose – Ritmo Louco e Rio Selvagem, deve ser descendente do outro Bacon, o Francis. O que sei com certeza é que, nos anos 2000, Kevin foi vítima de um golpe financeiro, onde perdeu a maior parte de sua fortuna pessoal. Dessa experiência, ele tirou uma bela lição de vida: - “Se algo é bom demais para ser verdade, é bom demais para ser verdade. Em seus momentos difíceis, lembre-se de que sempre vai ter alguém em situação muito pior do que você”.

Feitos os devidos reparos (que não sei se reparam alguma coisa) e adendos, infere-se que o bacon não tem nada a ver com o Bacon, embora eu seja levado a suspeitar que o Bacon derive do bacon.

A segunda razão de estar lembrando Francis Bacon vem de uma citação sua, amigavelmente repassada por uma amiga. Diz ele: “Uma vez que o entendimento de um homem se baseia em algo, seja porque é uma crença já aceita, ou porque o agrada, isso atrai tudo à sua volta para apoiar e concordar com a opinião adotada. Mesmo que um número maior de evidências contrárias seja encontrado, ele as ignora ou desconsidera, ou faz distinções sutis para rejeitá-las, preservando a autoridade imparcial de suas primeiras concepções”.

Segundo tal assertiva, uma pessoa aceita determinada informação desde que ela alimente e fortaleça suas crenças anteriores. Essas crenças são tão importantes que o cérebro faz tudo para protegê-las. E mesmo as evidências contrárias são facilmente desconsideradas, ignoradas ou rejeitadas. Dois exemplos tornam esta citação mais compreensível.

Primeiro:  Durante culto em uma igreja Assembleia de Deus, em Goiânia, Damares Alves, pastora e ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirmou que tem imagens de crianças brasileiras que tiveram seus dentes arrancados para a prática de sexo oral. A senadora eleita chegou a mencionar detalhes sórdidos que nem caberiam em filmes proibidos para menores de 50 anos, muito menos em culto evangélico com presença de adolescentes e crianças.

Sem entrar nos desdobramentos de tal declaração de uma mente doentia e corrompida, não menos chocante foi a pronta divulgação que o vídeo recebeu através das redes bolsonaristas, onde aquilo que era dito passava como verdade absoluta e denúncia da mais alta gravidade. É o que dizia Bacon: não importa a evidência contrária, o que interessa é o reforço de nossas próprias convicções. A mentira institucionalizada é o capim que alimenta esse tipo de gentalha.

Depois de sua fala repercutir de maneira intensa, provocando violentas reações contrárias, Damares disconcordou com o que havia dito, alegando que ouvira aquilo por aí. Por enquanto, não assistimos a nenhuma ação judicial incriminando essa senhora de mente doentia e canalha.

Segundo: Depois de repercutir nas redes sociais a declaração de Jair Bolsonaro ao jornal New York Times, anos atrás, de que toparia comer carne de índio (“É para comer. Cozinha por dois, três dias, e come com banana. Eu queria ver o índio sendo cozinhado... Eu comeria um índio sem problema nenhum”), alguém saiu em defesa de seu mito imbrochável, dizendo: “Em qual parte da Bíblia está escrito que o canibalismo é pecado?”

Então, você está vendo que não dá para argumentar com certo tipo de pessoa: ela filtra as informações de acordo com suas conveniências e interesses, chegando à estupidez de achar que o canibalismo não contraria princípios cristãos; que Deus, ao mesmo tempo que pede amor ao próximo, não se incomoda que você lhe dê um tiro de fuzil no meio da testa.

Etelvaldo Vieira de Melo

ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJ0 (Buñuel)

 


O que move a existência humana? Eis uma pergunta formulada desde os primórdios da Filosofia. Platão, Nietzsche, Foucault, Saussure, consideram o desejo motor das ações humanas. Teoricamente, deixam post mortem estabelecido que, perdido o cordão umbilical, todo indivíduo se torna sempiterno desejante. Diante da impossibilidade de retorno ao estado homeostático uterino, projetará em objetivos futuros sua incompletude. Vide esta nossa ser hei a obra literária. Será ser? Seria? O desejo, em Psicanálise, não trata de algo a ser realizado, mas da exclusão jamais desfeita. Em toda escolha, resta sempre um novo querer. Portanto, o buraco, oco do louco bloco, permanece insatisfeito. Renasce Fênix noutro não-lugar foradentro do anulado ou no significante suscetível de símbolo. Trata-se de um fluir metonímico, pois se desloca em direção ao que aparenta ser o outro objeto perdido. O sujeito se vê aprisionado pela vã tentativa de obturar a supressão interna. O que suscita o desejo sobre nossa escritura? Algo indecifrável, diremos. Um brilho, uma textura, um som, um tom estilístico. Eles são, para Lacan, faces imaginárias daquilo que está muito além do princípio do prazer. Tal elemento concreto será alvo do artista, concentrado, em pleno gozo. Aqui, o jogo de linguagem se torna fundamental, visando a reconstruir o inconsciente recalcado pela mácula tempo. Alcançamos, À Sombra das Amélias em Flor, maquilagem proustiana quase total, porém há coisas muito maiores que tudo.
Graça Rios

PODEMOS SER TOLERANTES COM OS INTOLERANTES?

 

- Iasmim, ando incomodado com algumas questões. Devo ser tolerante com a intolerância? Como me posicionar diante daqueles que são intolerantes?

- Antes de refletir sobre essas questões diretamente, estou me lembrando daquele ditado que diz: pior do que praticar a maldade é se calar diante dela.

- Pior do que a ação dos maldosos é o silêncio dos bons.

- Exatamente. Quando a maldade não tem vez, ela se torna vazia; quando lhe dão voz, há o risco dela se tornar a única voz possível. Por analogia, podemos dizer que, quando não lhe damos vez, a intolerância se torna uma voz vazia; quando nos calamos, ela se torna a única voz possível.

- Recorrendo ainda a analogias, existe aquele poema de Maiakóvski, que não é de Maiakóvski...

- Sim. Quando nos calamos diante daqueles que praticam a maldade, acontece deles, em um primeiro momento, roubarem uma flor de nosso jardim. Porque nos calamos, eles pisam as flores e matam nosso cão. Até que, diante de nosso silêncio, o mais frágil deles rouba-nos a luz e arranca nossa voz da garganta. Por causa de nosso medo, porque nunca dissemos nada, já não poderemos dizer nada.

- Iasmim, suas palavras refletem bem o momento que vivemos. Foi o silêncio, a omissão e a conivência que tornaram possível todo esse clima de intolerância em que a sociedade está mergulhada.

- Verdade. Se recuarmos no tempo, iremos ver exatamente os momentos em que os intolerantes ‘roubaram a flor do jardim’, ‘pisaram as flores’ e ‘mataram nosso cão’. Diante disso, as pessoas boas e ingênuas diziam que não havia nada demais, que era preciso contemporizar, entender, não levar a sério o que os loucos e alucinados praticavam. Agora, aqueles que eram tidos como ignorantes estão nos ‘roubando a luz’ e tentando ‘arrancar nossa voz da garganta’.

- Exatamente. Então, fica o reconhecimento: é impossível tolerar a intolerância.

- Mesmo porque os intolerantes são os primeiros que não toleram você. Tem até aquele paradoxo da tolerância: você pode tolera tudo, mas não pode tolerar a intolerância, porque, quando permitida, ela se espalha e nada mais se tornará tolerável. Um exemplo disso é o fascismo: toleraram o fascismo e o fascismo se espalhou pelo mundo, tornando todo o resto que não fosse o fascismo intolerável.

- Então, que sejamos amigáveis e solidários com as demais pessoas. No entanto, que essa tolerância não se confunda com a passividade, com o permitir que os intolerantes ditem as regras das relações sociais.

- Existe um termo chamado ‘assertividade’, muito empregado em Psicologia. Significa você ter uma atitude positiva diante das opiniões alheias, não se deixando intimidar diante do que dizem. Isso não significa, necessariamente, que você deva ser agressivo, truculento, mas que não seja medroso, covarde na defesa de suas ideias. Seria muito bom viver em um país onde as pessoas fossem honestas umas com as outras.

- Mais do que isso, Iasmim, que elas fossem honestas consigo mesmas.

- Falando em ser honesto consigo mesmo, lembro o que disse uma amiga, a Valéria: “Devemos nos aceitar como somos e com o que damos conta …. A solidão é uma escolha de sanidade, respeito e amor por si mesmo! Ajude a quem precisa de ajuda, sem expectativas; cuide da alimentação, cuide da natureza e dos animais… Nesse aspecto, a vida vale a pena! A vitória não nos pertence, a nós só compete o esforço, pois só há uma derrota definitiva: deixar de lutar. Tudo mais é crescimento.”

“Sobre a intolerância, continua Valéria, fica óbvio que os seres humanos não são divididos por etnias, raças ou condições econômicas de sobrevivência, mas pela linha nada tênue do caráter…. Não aprecio a intolerância, aprecio o corte total do que é maligno, cínico e hipócrita que não cabem na minha vida. No mais, lembro o que li em algum lugar: ‘Quando doer, exclua. Quando incomodar, evite. Quando chatear, ignore. Quando fizer mal, se distancie. Não podemos mudar as pessoas, mas podemos gerenciar nossas vidas’.”

 

- Um texto produzido coletivamente por Iasmim de Deus Silva, Valéria Rios e Etelvaldo Vieira de Melo -

 


GRAVIDEZ


 
Imagem: freepik

Serenô, eu caio. Espero. Caio. Súbito, levanto- me. Olho. Sinto no enovelado tempo ele molhado. Chora em teor de dor? Vigio o vagido nas fraldas da hora. Bico da noite, vem, consola meu bebê o seio cheio de escumosa imagem. Vem mamando amando sobras de sonho do sono maternal, afinal. Cirando a criança na penumbra, já trocada e limpa do colostro. Canto, eu, a sabida sabiá, embalo na câmara incomodado piar. Passarinho sonoro, às vezes, me adormeço... e já babá entrou, deu-lhe chá. Seu nome, eu o inscrevo: Ísis (‘nasci de mim mesma, não venho de ninguém’); ou Mário (mar, rio, riso, ar, homem de excelência), ensaiano manto cálido mel: serão meus braços? Donde tresanda lágrima, ensandeço. Mal olhado, vento virado, benzo. Divagando vagando devagar, fio os dias, desfio necessários diversos paninho Viróis acessórios, depois. Arco-irisando coloridas horas passo lavados lenços de arroto sobre vomitados ombros. Brancos enxovais. Alvas mamadeiras. Travesseiro ligeiro uma porção de brandos bichinhos: ponto cheio, nó, laçada, entremeio. Agulhas próprias, tesoura de aparar arestas, invento. Crio. 4 Bordando com fina verde clara linha a camisa primeira, aveludo-me em teus bilros. Admiro-te a tessitura ao ficcionar linhas no argênteo tear. Nino ideais lençóis, embalo deias na seda pura. Beija-me, rosto e colo, a nívea sideral cambraia. E sirgo cosendo fronhas emendando cocô xixi cozendo papinhas ansiosas. Assino agora babies quentes temperos literários. Concebo-me autora deste livro. Ninguém duvidará da autenticidade dos manuscritos legitimados em cartório. Há testemunhas das altas horas - jardins-de-infância - digitando, regurgitando imagens, a fim de descrever lindas paisagens: sol dó fá lá capítulos ré mi, si, outros. Barrada cortada rasurada hiância, embrião do sentido, escrevo. Entre cólicas, reconheço: O parto nos sucedeu. Nove meses. Eis aqui o filhote, última atual obra! Registrei-a, signo a signo. É nossa criatura, gestada na alheia mente. Depois, publico-lhe a matéria. Algum farfalho de asa, lã elã do leito vão, virá ao vento. Ensinará ao ventre inda sem luz: ‘Eis que tanto ao leitor-leitora-parturiente seduz o ser-neném, a lhe dar alegria e cruz’.

Graça Rios

VEJA AONDE A LAVA PaTo FOI PARAR

 

Tenho para mim mesmo que, no fundo, as coisas são simples e fáceis de entender. Costumo dizer: - Tudo cabe dentro do simples! Se não couber, é porque pode ser dispensado.

O problema é que as pessoas inventaram a mania de complicar, revestindo o simples de complexidade, achando com isso que suas palavras e seus juízos terão mais credibilidade. O resultado disso tudo é que a maioria das manifestações grandiloquentes esconde... mediocridade.

O que estou dizendo pode ser ofensivo para muitos, eles que sustentam suas teorias em arranjos artificiais e rebuscados.

Tal consideração me ocorre agora, quando tento compreender o momento político que atravessamos, tentando fazer uma leitura do comportamento de seus principais atores. Vejo muitos se dizendo indignados com a atitude do ex-juiz Sérgio Moro, quando este declara de público seu apoio à reeleição de Jair Messias Bolsonaro, o Mito, o Imbrochável, Imorrível, Incomível. Estarão tais pessoas se dando conta, finalmente, de que o país está atolado em um quadro de corrupção sem precedentes, de proporções bem maiores do que os propalados ‘Mensalão/Petrolão’ e o convenientemente esquecido ‘Anões do Orçamento’ (como é o caso do “Orçamento Secreto”)? As vestais arrependidas e indignadas perguntam:

- Como o paladino do combate à corrupção foi cair nas mãos dessa corja de bandidos que ocupa o Poder?

Mas eu pergunto: Moro e Dallagnol mudaram ou as pessoas não enxergavam (ou não queriam enxergar) que eles eram sempre os mesmos?

Roberto Jefferson, essa figura ímpar e tenebrosa de nosso mundo político, disse certa vez que cabia ao PT e aos demais partidos progressistas tão somente o papel de fiscalizadores do Executivo, de oposição, mas que nunca deveriam ousar ser Poder.

Quando o PT quis ir mais alto, essa atitude começou a incomodar nossa elite, que passou a resmungar por meio de seus porta-vozes (uma parcela da classe média, aquela que ‘come mortadela e arrota caviar’):

- É um absurdo o estado a que chegamos, com os aeroportos parecendo rodoviárias!

- Veja só! O caseiro do meu sítio, além de um carro, agora comprou uma moto! Que absurdo!

Tamanha indignação foi repetida, anos depois, pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes:

- Chegamos ao descalabro de empregadas domésticas irem passear na Disney e filhos de porteiros frequentarem universidades!

Para acabar com tais excrecências, era preciso tirar o PT do Poder. E, para que tudo voltasse à normalidade, criaram uma tal Lava Jato (que eu chamei na ocasião Lava PaTo). A pretexto de combater a corrupção, forjaram o clima para que a presidente, eleita por voto popular, fosse destituída e o PT se tornasse um partido marginal. A imprensa no seu todo, com a Rede Globo e seu indefectível Jornal Nacional à frente, aderiu toda saltitante e feliz à empreitada.

Como desdobramento de tudo, tivemos a eleição de Jair Bolsonaro e a eclosão da extrema-direita, com suas conotações fascistas.

No frigir dos ovos (que recomendo comer pelo menos um, todos os dias), de maneira simples e singela, eu queria dizer isso: Moro, Dallagnol e Bolsonaro são iguais, farinhas do mesmo saco. Poderia dizer até mais: foi a Lava Jato que pariu Bolsonaro presidente e essa onda de violência que vivemos, esse clima de mentiras que tomou conta do país (tudo filho da máxima lavajatista de que ‘os fins justificam os meios’). Agora, Sérgio Moro, qual mãe zelosa, está indo dar papinha pro seu filhinho do coração. Que coisa mais linda!

Etelvaldo Vieira de Melo

VER DE PLANTA

 
Imagem: Casa Vogue

Miriveja esta orquídea.

Toque em seus órgãos.

Não lhe parecem

meandros róseos

de sua vagina?

São eles a força anímica

de vida

sob águas abundantes

do outro corpo criativo.

A erótica flor gera o broto

inseminada pelas abelhas.

Entre os grandes lábios

entreabertos

dá luz à orgia

desta fértil flor

Poesia.

Graça Rios