Descobriram agora o que pais de antigamente
praticavam por ignorância ou necessidade. Então, os filhos eram produzidos em
série, quase um por ano, já que não havia ainda sido inventada a pílula e a TV
era artigo de luxo. Com a casa infestada de filhos, era a higiene também artigo
de luxo. Cresciam as crianças barrigudinhas, quais porquinhos, como queria o
antropólogo Darcy Ribeiro. Só que ele as queria gordinhas de saúde, enquanto
que esses outros meninos eram assim por uma coletânea de vermes, regularmente
expulsos por lombrigueiros administrados nas escolas. Esses lombrigueiros,
muitas vezes chamados de purgantes, não tinham a sofisticação e eficiência
desses modernos. A criança os tomava às dúzias, ficava tão debilitada que tinha
que se ausentar da escola por, no mínimo, uma semana. Os vermes acabavam
morrendo, mas a criança quase que ia junto também.
Os tempos mudaram e filhos passaram a vir gota
a gota. Viraram artigo raro. Os filhos, como produtos raros, passaram a merecer
tanto cuidado, tornando-se objetos de obsessão, especialmente em se tratando de
higiene. Agora, parece que reinventam a roda: descobrem que um pouco de sujeira
não faz mal a ninguém; pelo contrário, a vitamina S até mesmo fortalece as
crianças, criando anticorpos e ajudando o organismo no combate a vermes, vírus
e bactérias.
O Russo, assim chamado por causa dos olhos
verdes e tipo de cabelo amarelado, embora fosse de estatura baixa, é desse
tempo de antigamente e criou seus filhos com muita vitamina S. Enquanto trabalhava,
era mecânico de fundo de quintal, mas não conseguiu sobreviver, quando os
carros trocaram o carburador pela injeção eletrônica. A vitamina que deu a seus
filhos era à base de óleo, graxa e tanto produto tóxico que um deles acabou
ficando doidão. Os outros filhos, incluindo aí uma menina, ficaram com a mãe,
quando ela e Russo se desentenderam definitivamente, ela que havia se
convertido e passara a frequentar uma igreja pentecostal, não querendo mais
nada com aquele homem que, naquela época, era cheio de vícios.
Conheci o Russo nesses tempos de então, por
causa de meu carro, um Fiat 147. Quando se encontraram pela primeira vez, meu
carrinho se apaixonou perdidamente, ao ponto de não conseguir ficar mais de uma
semana sem visitar a oficina desse eficiente mecânico. Por causa dos dois, tive
que frequentar de cabo a rabo e de rabo a cabo umas mais famosas avenidas da
cidade, especializada em peças para carros, novas, usadas, recondicionadas e
roubadas.
O tempo foi passando e Russo, por ser magro e
ter o corpo franzino, parece que nem viu. Deixou de fumar e abandonou a bebida
mais pesada, embora continue amigo de uma cerveja. Por ser meio sardento, não
aparenta a idade que tem. Sei que já passou dos 65, pois está dispensado de
pagar passagem nos ônibus.
Uma vez ou outra a gente se encontra. Sua
conversa, vem daqui, vai dali, acaba terminando em assunto de mulher. Durante
muito tempo, falava de uma morena, casada com um policial, mas que era sua
amante e que queria porque queria ter um filho seu, talvez na esperança de que
saísse um moreno de olhos verdes. Muitas vezes, ele chegava a detalhes que me
deixavam constrangido, por inveja: “Cara, ontem saímos, pegamos uma sessão de
cinema e depois fomos para um motel. Cara, pode parecer conta de mentiroso, mas
foram sete vezes...”
De uns tempos para cá, essa morena saiu do ar,
mas as mulheres continuam no cardápio de suas conversas. Só que ele anda
apelando para mulheres lá do centro da cidade, nas imediações de uma rua famosa
pelo baixo meretrício (!). Se for assim, é que a situação está ficando russa,
com o perdão do trocadilho, para o Russo.
Pensando bem, isso não importa. Estou vendo que
o ser humano necessita de um complexo vitamínico. Não basta a vitamina S. O
Russo, por exemplo, necessita de vitamina M.
Outro dia, estávamos conversando e eu lhe
falei:
- Estou notando que você tem ido com frequência
ao Posto de Saúde do Bairro. Anda doente?
- Que nada! Tenho é ido buscar remédio para meu
filho!
Vida longa pra você, Russo. Não se esqueça de
suas vitaminas!
Etelvaldo Vieira de Melo