Plantação de girassol na Toscana, Itália, paisagem que inspirou van Gogh em algumas de suas famosas pinturas. Foto: Deusarina Rebelada / Júlia Mara |
A experiência com os afazeres do lar tem me
ensinado muitas coisas. Por exemplo, o contato de um objeto quente com uma
superfície fria pode ocasionar o chamado “choque térmico”. É o que acontece
quando você coloca uma jarra quente na superfície de uma pia. Dependendo do
contraste de temperatura, a jarra pode se espatifar toda.
Para evitar que me expusesse a um choque
térmico cultural, social e psicológico, ao chegar de uma viagem de 16 dias pela
Itália, resolvi ficar recluso, mal colocando o nariz para fora do portão de
casa. Só fui sair mesmo uma semana mais tarde. Caminhei pela avenida principal
do bairro em busca de uma loja de celulares, onde pudesse passar os dados do
aparelho antigo para um seminovo, presente de Percilina Predillecta.
Andando pelas calçadas, fiquei triste ao ver
como as pessoas não têm escrúpulos em jogar toda espécie de lixo nas ruas. E eu
pensando que pudesse empreender aqui uma campanha de coleta seletiva! Diante do
que observei, penso que já está bom demais a campanha ser no sentido de
incentivar as pessoas a jogarem seus lixos nas lixeiras. O mote pode ser: Lugar
de lixo é na lixeira! Ou, então: Quem joga lixo na rua também poderia ir junto!
É impressionante a quantidade e variedade que anotei de garrafas plásticas e de
vidro, de restos de comidas em marmitex, papel, sacos plásticos, cocô de
cachorros. Havia até um monte de cabelos, certamente descartados por uma
barbearia próxima. Um horror! Com meu coração se espatifando todo diante
daquele choque térmico visual, senti saudades da Itália - embora aquele país
não seja exatamente um modelo em termos de limpeza (mais em razão do fluxo
descomunal de turistas de toda parte do mundo).
Quando cheguei na primeira loja de celulares,
fui falando para a atendente:
- Preciso de um favor seu. Pode me ajudar?
- Depende – ela respondeu com presteza,
deixando momentaneamente seu ar de preguiça. Percebi logo que daquele mato não
ia sair coelho.
- Estou precisando transferir os dados de um
telefone antigo para um novo – falei mais por falar.
- Quem pode fazer isso é o pessoal da Lan
House. Tem uma aqui perto da borracharia – arrematou, passando a bola para
frente.
- Sua preguiçosa! – pensei com meus botões da
camisa. – Sei que você sabe muito bem fazer isso, mas a dona preguiça não
deixa.
Fui à Lan House, e o atendente demonstrou o
mesmo estado de preguiça, querendo empurrar o serviço para um técnico de outra
loja.
Chateado, saí caminhando pela avenida, não mais
prestando atenção no estado de sujeira das calçadas, tentando encontrar outras
lojas. Encontrei duas, mas estavam fechadas.
Pensei em ir direto ao Banco registar o
aparelho, mas acabei esbarrando numa terceira loja, onde uma mocinha, Camila,
me atendeu toda prestativa. Ela se declarou incapaz de fazer o serviço de
transferência de dados, mas me ajudou a abrir os celulares e transferir os
chips.
Camila quis saber se eu não tinha uma filha ou
neta que pudesse me ajudar a transferir os dados. Eu disse que até tinha (a
Deusarina Rebelada), capaz de fazer aquilo de letra, mas que morava em outro
bairro.
Transferidos os chips, peguei o ônibus e fui
até a agência bancária. O guarda me deu uma senha de atendimento preferencial,
mas estou vendo todo mundo ser atendido na minha frente. Quem mandou eu não ser
um van Gogh (categoria do Banco para clientes especiais)! Eu devia ter colhido
um girassol das tantas plantações que vi na Itália e entrado na agência com ele
pendurado na orelha. Os gerentes olhariam para mim, pro meu tênis (made in
China), pensando: - Está na cara que este cara não é nenhum van Gogh, mas tem
toda a pinta de aprendiz!
Finalmente, fui atendido por um gerente meio
sorridente, que fez o registro do novo aparelho celular. Quando, ao final, quis
saber seu nome e ele disse se chamar Kennedy, vi que não estava sendo atendido
por um zé-ninguém, mas – quem sabe – por um descendente direto de uma das mais
tradicionais famílias dos United States of America. Senti-me confortado ao
saber que havia em mim ainda que um pouco de luz, capaz de fazer os girassóis
girarem em minha direção.
P.S. Afinal, Percilina me ajudou a transferir
os dados do telefone. Pra tudo ficar 100%, só falta mesmo resolver a questão do
lixo nas ruas e a dos pernilongos, que morriam de saudades de mim e toda hora
vêm me dar umas bicotadas.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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