Já estava eu cometendo um
deslize ao associar o título acima com um filme homônimo, julgando ser aquele
estrelado pela estonteante Sharon Stone. Em tempo, dei-me conta que a
personagem em questão, com o devido respeito para com a atriz, Glenn Close,
aparece mais para Repulsa Fatal do que atração propriamente. Sharon é
protagonista de “Instinto Selvagem”.
Feito o reparo e estando tudo em conformidade
com os trâmites legais, vamos às considerações em torno do conceito “atração
fatal”.
Ele tem o sobrenome de Amador, mas isso só no
nome, pois se trata, na verdade, de um grande profissional. Assim como existe o
músico de sete instrumentos, ele pode ser considerado um polivalente,
realizando bem qualquer tipo de trabalho, embora sua profissão originária seja
a de carpinteiro. Sua aparência física lembra a do excepcional ator Morgan
Freeman, que foi descoberto para o cinema – infelizmente – já com mais de 40
anos e que conheci através do filme “O Poder de Um Jovem”. Mas ele é personagem
de outros sucessos como “Conduzindo Miss Dayse” e “Um Sonho de Liberdade”.
Pouco tempo atrás, trabalhando como
carpinteiro, Amador sofreu um acidente, quando, ao bater um prego numa peça de
madeira, esse saiu voando e atingiu seu olho direito. Foi coisa séria, que
quase o deixou completamente cego, uma vez que não enxergava lá essas coisas
com a vista esquerda. Escrevendo essas lembranças, ocorre-me também a do filme
“Perfume de Mulher”, estrelado por Al Pacino, outro excepcional ator, que se
destacou em “O Poderoso Chefão”, “Scarface”, “Um Dia de Cão”.
Ao contrário do personagem cego de “Perfume”,
que carregava um sentimento de revolta muito grande, Amador vivenciou seu drama
com muita dignidade. Nas vezes em que nos encontramos, ele cuidava de explicar
cientificamente seu acidente e seu processo de recuperação. Sou péssimo para
guardar detalhes, mas eu me lembro de ter ele mencionado como o prego havia
perfurado a córnea e atingido o cristalino. Mostrava, tampando ora a vista
direita, ora a esquerda, seu índice de visão, sempre em base percentuais,
tentando explicar como as imagens eram captadas fora de foco. Em resumo, ele
não enxergava praticamente nada, tinha que usar óculos escuros, pois a luz
solar lhe era insuportável, ficava quase o tempo todo em casa, só saindo para
as consultas com os oftalmologistas. Em nenhum momento eu ouvi de sua boca uma
palavra de ressentimento ou revolta.
Ele tinha muitos motivos para se sentir
revoltado, pois, infelizmente, ainda vivemos em um país onde as pessoas que
dependem do atendimento público estão sujeitas a todo tipo de humilhação e
pouco caso. No final de seu drama, que se arrastou por anos, acabou ele
colocando um cristalino artificial, procedimento que poderia ter sido feito
logo após o acidente.
Caso soubesse que estou escrevendo essas coisas
a seu respeito, tenho certeza que daria boas risadas com aquela sua voz grave,
diria que sou uma pessoa exagerada, que seu drama não tinha sido nada. Como
dizer que não foi nada? – pergunto eu. Amador, além de carpinteiro, é um exímio
pedreiro, cantor, violeiro, eletricista, inventor. A perda da visão acabou lhe
roubando tudo isso.
Para dizer a verdade, não sei de onde ele tirou
forças para enfrentar seu drama. Gostaria muito de saber, eu que, por qualquer
bobagem, sou tomado por depressão e sentimento de que não vale a pena viver.
A coisa toda se confunde ainda mais na minha
cabeça, quando penso do que ele se privou durante esse tempo de cegueira.
Amador tinha uma atração fatal, uma fixação por Ferro Velho. Aqui mesmo perto
de casa existe um, que ele visitava religiosamente toda semana. Nesse e em
outros que encontrava nas suas andanças, ele vasculhava em busca de motores,
peças, móveis, coisas aparentemente vulgares. Sempre encontrava algo que, por
suas mãos era transformado em invenção ou objeto de arte. Amador acaba me
mostrando que é muito pouco o que pode nos tornar felizes. Mas é preciso ter
atração fatal, isto é, fazer as coisas com amor. Só isso.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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