Uma coisa que aprendi com Eduardo Pazuello,
mesmo ele não querendo ensinar, foi a importância de se aplicar a Logística
sempre que necessário. Quando vi aquele general conseguir levar o número de
mortes pela covid para mais de setecentas mil, como queria seu chefe capitão, e
ainda assim se eleger para deputado federal, pensei com meus botões: - Essa
Logística é foda!
A partir de então, dona Logística passou a
fazer parte de meu dia a dia. Hoje foi a vez de empregá-la na compra trimestral
de medicamentos aos quais sou submetido.
Primeiro, fiz uma prévia na Internet entre as
drogarias mais em conta. Quando fui fechar com uma, vi que nem todos os
medicamentos eram disponibilizados. Achei por bem ir até a cidade, para confrontar
os preços de duas delas, tendo por base o levantamento que havia feito.
Na primeira drogaria, depois de ter me
submetido a uma pequena fila, vi que a Logística recomendava comprar todos os
medicamentos ali mesmo. Foi o que fiz, ainda cometendo a extravagância de levar
junto um complexo vitamínico que não estava na lista (reflexo condicionado de
crônica passada, quando dissertei sobre o Russo e sua vitamina M (você leu,
amigo Leiturino?).
Quando saí da drogaria, percebi que as pessoas
na rua me olhavam com comiseração. Pensei comigo: - Por que esse olhar de
compaixão das pessoas? Ao me dar conta, vi que os medicamentos eram
transportados numa sacola transparente. Quando as pessoas viam aquela
quantidade de remédio, deviam pensar: - Coitado, esse aí está mais pra lá do
que pra cá! Não sei bem, mas cheguei a suspeitar de ter visto uma lágrima
furtiva deslisando pelo rosto de uma jovem senhora.
Não sei bem por quê, aquela situação me fez
lembrar uma outra vez em que estive internado por duas semanas num hospital,
devido a um leve problema cardíaco.
Nesse período, recebi visitas de alguns
vizinhos, parentes e amigos.
Cleber lá esteve com sua namorada, Adélia.
Tratava-se de uma pessoa com agudo senso de humor (infelizmente, ele já partiu
dessa). Logo, quis se informar sobre o histórico do que havia acontecido. Minha
esposa, Percilina, começou a contar, em detalhes: as dores, o mal-estar, a ida
aos hospitais... Não aguentando tanto suspense, Cleber perguntou, interrompendo
aquela narrativa novelesca:
- Afinal, nosso amigo teve ou não teve um
infarto?
(Entre parênteses, registro um diálogo que
não existiu, mas que ficou subentendido:
- Tive, sim! Até parece que você faz parte
daqueles que praticam o que chamo de “solidariedade mórbida”, tal seu grau de
ansiedade.
- Vamos, apresente os detalhes dos exames.
- Bom, o cateterismo constatou uma ponte
miocárdica na artéria descendente anterior, com grave constrição no 1/3 médio.
- Não entendi nada, mas continue.
- Vê se entende: uma artéria, ao invés de passar
sobre o músculo do coração, inventou de passar por baixo, como se fosse um
metrô. O batimento cardíaco comprime essa artéria, o que pode provocar dor. Em
sentido figurado, com essas chuvas, uma ponte sobre o meu coração está com a
estrutura abalada e necessita de reparos de engenharia, ou seja, de
medicamentos.
- Deu pra entender. Mas é só isso?
- Não, tem mais para seu sadismo: o segundo
ramo diagonal exibe obstrução grave no 1/3 proximal, ou seja, apresenta
aterosclerose com obstrução luminal grave (99%), o que requer angioplastia com
implante de stent.
- Ah, agora estou plenamente satisfeito e vejo
que não foi perda de tempo esta visita, eu que temia ser tudo um falso alarme.)
Depois de ouvir as explicações de minha esposa,
ele se levantou e começou a vasculhar as coisas que estavam no quarto. Pegou um
livro de J.K. Rowling, autora dos sete livros que compõem a série Harry Potter,
e perguntou:
- Quem está lendo este livro?
- Sou eu - falou Percilina.
- Mas você tinha de vir com este livro para cá?
O título do livro era “MORTE SÚBITA”.
- Você não faz ideia do pior, Cleber – eu
falei. – Imagine que Percilina me trouxe uma revista Seleções outro dia. A
manchete de capa era: “45 segredos que os cirurgiões não diriam a você”.
Quando comecei a comentar a reportagem, ela tratou logo de me tomar a
revista...
Pouco tempo antes de se retirar com Adélia, me
deixou a recomendação de que praticasse Tai Chi Chuan e deu exemplos de
exercícios. Para ele, baixinho e magrinho, até foi bem. Como tenho uma certa
obesidade na região abdominal e, definitivamente, não disponho de coordenação
motora, já naquela época achei que seria dificílimo para mim...
A lembrança do Cleber veio assim a propósito
dos medicamentos. Na verdade, me senti bem reconfortado quando pensei naquele
amigo.
Quanto a Logística, depois de ter experimentado
tantos olhares de simpatia (por causa da sacola de medicamentos), peguei o ônibus
e estou retornando para casa. Lá, Percilina e Deusarina me aguardam. Falei para
Deusarina que devo chegar em 20 minutos, para lhe preparar um café
gourmet. O trânsito está agarrado. Só
espero que ele não venha jogar por terra todo meu esquema logístico.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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