No belo poema “Minha História”, Chico Buarque fala de um amor bandido
onde a mulher, após ser abandonada pelo amante, fica ‘parada, pregada na
pedra do porto, com o olhar cada dia mais longe’. Quando, enfim, nasce o
bebê, não se sabe se por ironia ou por amor, resolve chamá-lo com o nome do
Nosso Senhor. E a história do personagem passa a ser esse nome que carrega
consigo.
O nome é algo tão pessoal, íntimo, que só deveríamos dizê-lo para as
pessoas próximas, como fazem os orientais. Em muitos países, acredita-se que
saber o nome de uma pessoa é ter um domínio sobre ela.
Creio que não existe sangue oriental correndo em minhas artérias e
veias, mas concordo com essa reverência ao nome. Ele expressa nossa
individualidade, ele nos identifica como seres únicos e originais. Como a
sociedade moderna evoluiu para os grandes centros urbanos, intensas
transformações e o rompimento com valores tradicionais geram o que
especialistas chamam de anomia, que é a desintegração das normas sociais. Esse
estado anômico, de contradição entre as normas sociais e de ausência de
valores, com certeza, é uma das matrizes das chamadas “redes sociais”, com tudo
de bom e de ruim que elas podem acarretar. Outra consequência da concentração
em grandes centros urbanos é o anonimato, que é a perda do nome, da assinatura
própria, com a identidade ficando escondida. Hoje, o nome perdeu a sua razão de
ser e as pessoas passaram a ser identificadas por números: os do CPF, do RG, do
Cartão de Crédito, da Conta Bancária, do número do apartamento. Daí, a solidão
corroendo a vida das pessoas e só indo embora quando elas são ‘re-conhecidas’ e
identificadas pelo nome. (A bem da verdade, é muito mais simples e conveniente
para o “Sistema” e seu entorno lidar com números, em vez de pessoas: um número é
manipulável e descartável.)
Sempre procuro designar com os nomes as pessoas de minhas relações,
mesmo aquelas estritamente profissionais. Quando sou atendido por alguém, minha
primeira preocupação é saber “qual é mesmo o seu nome?”. Agindo assim, espero
estar confrontando o sistema, tornando as comunicações mais
humanas.
Por detrás de cada nome há sempre uma história. Na minha família, depois
de muitos nomes triviais, meus pais, assim que nasci, confabularam:
- Vamos colocar um nome diferente em nosso filho. Quem sabe, assim, sai
algo que presta.
Escolheram Etevaldo, um nome bastante raro. O escrivão da cidade, movido
por algumas doses etílicas, resolveu radicalizar e torná-lo único: acrescentou
um “l”, tornando-me Etelvaldo. Tenho comigo, desde que me entendo por gente,
que devemos nos conformar ao destino (maktub!), já que tudo poderia ser pior do
que é. Imagina se o teor alcoólico fosse maior e o escrivão enxergasse um tanto
de “l” - Eltelvaldol! Creio que não teria sobrevivido até a idade hábil para
efetuar uma mudança, eu que, até minha adolescência, havia contabilizado mais
de 50 apelidos!
Se você observar com atenção, vai notar que as páginas deste blog estão
permeadas de vários nomes, muitos deles exóticos. Eu mesmo me nomeio com os
heterônimos de Eleutério, Ingenaldo, Cinisvaldo, Fridolino Xexeo, Tertuliano,
Loprefâncio.
No
fundo, eu gostaria de passar a ideia de que é preciso recuperar a humanidade do
ser humano. Como diria Charles Chaplin, nós não somos máquinas, não somos
números! O primeiro passo seria o de abolir as senhas secretas, os códigos e os
números, com as pessoas sendo identificadas e tratadas por seus nomes. Como o
mesmo Chaplin diz: “Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais
do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a
vida será de violência e tudo será perdido.” A guerra que está aí mostra isso, com a morte
de pessoas sendo reduzidas a números, dados para estatísticas.
Etelvaldo Vieira de Melo
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