FOI Gertrudes se aconselhar com Venâncio Fortunato sobre um assunto que a
incomodava, deveras.
Antes,
por educação, quis saber como andava o amigo.
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Estou numa situação difícil, que só você vendo.
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Mas o que anda lhe trazendo tanto desconforto?
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Estou numa situação financeira tão complicada, devendo tanto que, como diria o
Barão de Itararé, nem posso chamar minha esposa de “meu bem”.
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Mas por quê?
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É que, se eu chamar uma pessoa de “meu bem”, o Banco vem e toma.
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Ah, deixa de gozação – falou Gertrudes, sorrindo, quase se esquecendo do assunto
que tanto a incomodava.
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É brincadeira mesmo – falou Venâncio. – Entretanto, você sabe que pobre é
apertado por natureza, vive pendurado feito cabide. Agora, me diga o que anda
aborrecendo a sua beleza.
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Minha reclamação é quanto à falta de homens no mercado. Além de serem em número
reduzido, comportam-se como gatos escaldados temendo água fria, isto é,
tornam-se cada vez mais ariscos e medrosos.
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Calma, querida, que seu chororô abala meu bondoso coração – falou Venâncio, em
tom de leve reprimenda. – Vou sondar minha indefinida inteligência, buscando um
lenitivo que lhe sirva de ajuda ou consolo.
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É bom você ficar sabendo de antemão que já apelei para toda espécie de simpatia
e superstição – cortou Gertrudes, com o dedo em riste apontado pro amigo.
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Já pendurou uma imagem de Santo Antônio, amarrado pelos pés numa jarra d’água?
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Foi a primeira providência que tomei. Tive que tirar o santo da água, senão ele
se desmanchava todo.
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Conversou seriamente com sua imagem, ameaçando colocá-la na geladeira, caso não
lhe arranje um namorado?
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Ela está no congelador e já virou picolé.
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Por acaso, você já deu para um rapaz...
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O quê???
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... a água com que lavou uma camisa sua, para ele beber?
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Já fiz isso com um vizinho e, até agora, não tive nada de resposta.
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É, parece que a situação está mesmo grave pro seu lado.
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Ora se está. Outro dia, fui ao casamento de uma amiga e os pais dela até providenciaram
uma queima de foguetes. Na hora em que ela jogou o buquê de flores, eu me
engalfinhei com outras pretendentes e quase fui parar no hospital.
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Mas conseguiu o troféu?
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Que nada. Somente arranhões e um olho roxo, por causa de cotoveladas.
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Xiii... E uma folhinha de arruda atrás da orelha, já tentou?
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Aquilo fede tanto que, ao invés de atrair, vai afugentar os pretendentes.
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Tem razão. Vamos procurar outro expediente. Estou consultando o Doutor Google e
estou vendo que as receitas são até perigosas. Tem uma aqui, por exemplo, que
manda escrever o nome do pretendente numa folha de papel, mergulhando-a,
depois, num prato com mel. Toda noite, você irá rezar para que seu pedido seja
atendido. O prato deverá ser colocado debaixo da cama e só será tirado depois
de alcançar a graça.
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Se eu fizer isso, é perigoso as formigas acabarem comigo antes que encontre um
namorado.
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Gertrudes, gostaria muito de poder ajudá-la, mas a receita não é fácil. Uma
relação afetiva se constrói com o tempo, mas o tempo não conta hoje em dia. É
tudo muito apressado, superficial, amadurece rápido igualzinho banana em sacolão.
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Está bem, mas o que eu faço? Deixe-me uma ideia, mesmo mudando o tom de nossa
conversa.
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É preciso que você se valorize, não se torne vulgar, ao ponto de qualquer rapaz
passar a mão em você. Mesmo porque, no fundo, os homens não gostam de mulheres
fáceis. Quando os encontros são fáceis, fica difícil uma relação séria.
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Quer dizer, então, que a liberdade só vem com o tempo...
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Exatamente. Mas não é só. A mídia nos passa estereótipos, modelos que não
precisam e nem devem ser copiados. Seja você mesma, não tenha medo de ser
diferente. Não brinque e nem permita que outros brinquem com seus sentimentos.
Lembre-se: você só será amada verdadeiramente que for você mesma. No mais, é
bola pro mato, que o jogo é de campeonato.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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