O BALÃO DO JOÃO

Imagem: recadosonline.com


O balão do João
soltou-se da mão
e caiu do outro lado
escuro do muro.

O menino se esforça
por achar um caminho,
mas o mundo de lá
onde existe o balão
pode ter muito espinho.

O que espera João?
Pode ser um cão bravo
ou o começo da rua.
Quem sabe um canteiro
de flores suaves,
talvez uma ponte
sob águas azuis?

O muro é tão alto,
João é pequeno.
Só um menino que sonha
em ter um balão.

Do lado de cá
há vários brinquedos
(a bola, o velocípede)
mas João não quer nada
a não ser o balão

que fugiu-lhe da mão.

A PULGA QUE QUERIA IR AO TEATRO

Imagem: www.youtube.com


Para a Quinha









Queria a pulguinha Plim-Plim que sua entrada na maioridade
Se desse através de um grande evento.
Uma sessão de cinema, um culto evangélico? – Com curiosidade
Quis saber a mãe, para que tudo saísse a contento.

Plim-Plim falou com voz ainda angelical:
Prefiro algo que me encha os olhos e me traga emoção.
Que nada, mamãe, eu quero é ir a um salão
Assistir a uma linda peça teatral.
Este é o sonho que trago em meu coração!

Disse-lhe a mamãe: Que não seja por nada
Queria que frequentasses situação mais sossegada.
Ao contrário, vais em busca daquela agitada
Sabendo que com um mínimo de desatenção
Corres o risco de ser por palmas esmagada.

Assim, Plim-Plim foi ao teatro, cheia de animação.

Depois, o que aconteceu?
Sei lá, pergunta ao Alceu.
Sobre essa embrulhada
Sabe ele mais do que eu.
Etelvaldo Vieira de Melo


ESTA NOTA DE CEM

Imagem: exame.abril.com.br















Esta nota de cem
já fez estrada.
Passeou com a meretriz
vadiou com os bêbados.
Foi com ela que o peão
pagou a comida
daí a mancha suja de suor.
O mercador recebeu-a
em troca de receita
depois a moça rica
gastou-a nos salões.
Passou pelo hospital
salvou o doente.
Pousou sobre um altar
a espórtula do crente.

Esta nota de cem
escondeu-se na cueca
do deputado ladrão
que fugiu do Brasil.
Serviu à corrupção
aos processos da Câmara
e franqueou aos governos
a certeza dos votos.

Esta nota de cem
alcançou mais um pedófilo
e tirou a alegria
da menina adolescente.
Também financiou
 a sessão de cinema
para várias escolas
enquanto diminuía
o torpe salário do professor.

Agora, esta nota de cem
vale a metade de ontem
e vem ao lar do pobre
sem matar-lhe a fome
nem dar arrimo
a quem construiu palácios
e habita na favela
dormindo no chão.





LEMBRANDO AS ÁRVORES DE LIVROS DE PARATY

                                           Para Maria Apparecida de Mattos
                                                 
Caso fosse montar uma árvore feita de livros, a exemplo do que ocorre durante o festival literário de Paraty, um deles seria “Os Frutos da Terra”, de André Gide, livro que – por ironia - só consegui ler até a metade.
Devo ter adquirido esse livro por causa do preço acessível. Trata-se de um exemplar pequeno, de encadernação simples e papel de baixa qualidade. Na época, eu sobrevivia a duras penas, graças a uma mesada que mal dava para vencer o mês.
Assim que comecei a leitura, também comecei também a ter agradáveis surpresas. O autor me chamava pelo nome de Nathanael e dizia coisas que tocavam fundo meu coração adolescente. Fui sublinhando as passagens mais significativas, o que representava a quase totalidade do que lia. Exemplos?
Que tua visão seja nova a cada novo instante.
Não basta ler que as areias das praias são doces; quero que meus pés nus as sintam... É-me inútil todo conhecimento que uma sensação não precedeu.
Nathanael, que toda emoção te possa ser uma embriaguez. Se o que comes não te embriaga, é que não tens muita fome.
Chegando a esta passagem, quase que joguei o livro para o alto, tamanha a minha emoção:
Nathanael, será que compreendes suficientemente o patético de minhas palavras? Quisera aproximar-me de ti mais ainda.
E como Eliseu se estendeu sobre o filho da Sulamita para ressuscitá-lo – “a boca sobre a boca, os olhos sobre os olhos, as mãos sobre as mãos” - quisera com o meu grande coração radioso contra a tua alma ainda tenebrosa, estender-me sobre ti por inteiro, minha boca sobre a tua boca e minha fronte sobre tua fronte, tuas mãos frias em minhas mãos ardentes, e meu coração palpitante... (“E a carne da criança se aqueceu” - escreve ele...) a fim de que acordes na volúpia - e depois me deixes – para uma vida palpitante e desregrada.
Saí correndo pelo corredor do prédio onde estudava e quase joguei ao chão um colega de turma.
Afoito, fui logo dizendo:
- Você não faz ideia do livro que estou lendo. É uma das coisas mais bonitas que já vi em minha vida.
O colega quis saber o nome do autor e o trecho que tanto me tocara.
- O autor se chama André Gide – disse eu. – A passagem é esta aqui – mostrei-lhe, apontando com o dedo.
Após a leitura, em tom de ironia, meu colega perguntou:
- Por acaso, sabe você quem é ou quem foi André Gide?
- Não – respondi. – Nem faço a mínima ideia.
- Pois fique sabendo que André Gide foi um dos mais famosos... homossexuais da França.
Ao ouvir aquelas palavras, senti um aperto no coração, acompanhado do sentimento de que o chão me faltava.
- Ah... – pensei em voz alta. – Quer dizer que esta passagem do profeta... Como posso ser tão ingênuo!
A conclusão de tudo é que acabei deixando o livro pela metade. Depois da conversa com o colega, eu havia me tornado um leitor arisco e desconfiado. Em outras palavras, eu havia me armado de preconceito e o preconceito fecha as portas para qualquer tipo de diálogo e entendimento. O preconceituoso se acha dono da verdade, não admite outro ponto de vista que não seja o seu.
Assim, aprendi muito com a leitura de “Os Frutos da Terra”. Acho que a principal lição tem a ver com os limites tênues entre a postura crítica e a preconceituosa.
Senso crítico e preconceito são duas armas aparentemente parecidas, mas cujos resultados são bem distintos. O senso crítico é uma espécie de filtro através do qual você não se deixa manipular pelas opiniões alheias. É um instrumento essencial nessa sociedade de massa, onde os meios de comunicação forjam opiniões e moldam comportamentos. Já o preconceito é uma arma letal que elimina qualquer possibilidade de diálogo e de enriquecimento próprio.
Agora, voltando às minhas considerações pessoais, quando olho para minha vida, quantas coisas bonitas deixei de aprender por causa do preconceito!  E o pior: quanto mais o tempo passa, parece que mais preconceituoso eu me torno. Quero, preciso, tenho urgência de resgatar aquele olhar que deixei na minha infância: um olhar puro, curioso, de espanto e admiração, de quem quer saber, mas destituído de maldade, de pré-juízo, de preconceito.
PS: Este texto é uma releitura de “Quem faz pré-juízo fica no prejuízo”, publicado em “Caminhos do Viver: os Reflexos e as Estações”. Minha parceira de blog, a Graça, entendida dessas questões linguísticas, diz que estou fazendo uma “intratextualidade”. Tirando este termo assombroso, o que incomoda mesmo é essa atitude preconceituosa diante da vida. Melhor correr o risco de uma decepção do que fechar as portas para o outro, impedindo –através do preconceito – que ele revele suas riquezas e potencialidades. 
Etelvaldo Vieira de Melo

           
             
 


DESTINO

Imagem: estrelabinaria.com
Atravessando a Avenida
pousa-me no braço
uma joaninha.

Uma joaninha
pousa em meu braço
e vai subindo.

Sem modo, a afasto
mas ela volta
batendo as asinhas.

Procuro uma flor
mesmo que seja
do asfalto.
Não a encontro.

Procuro um jardim
nesse meio-dia
de sinal fechado.

O semáforo esverdece.
Minha inquilina
talvez confundindo-o
com folhas de agosto
resolve partir.

Parte para onde?

Preciso ser rápida
nesta travessia.
Todo o circuito
é pura malícia.

Lá se foi a joaninha
e também lá vou eu
sabendo que o destino
coloca-se à frente.

Sigo piscando
para o outro lado.

Alcançarei o passeio?

Melhor não pensar

onde vamos chegar.









TOC-TOC

          
E
lpídio da Sá Zilinha passou a infância morando numa das mais pobres casas de uma pobre cidade.
Como as noites eram iluminadas por lamparinas à base de querosene, o nariz ficava tomado por uma borra escura, só removida com lenço, que ficava, por sua vez, todo manchado.
A luz da lamparina também projetava nas paredes sombras fantasmagóricas, que vinham povoar de pesadelos as noites de Elpídio.
Foi assim que o pobre moço começou a cultivar certas manias. Toda noite, por exemplo, tinha ele que vasculhar sob a cama, para se certificar que não havia um ladrão escondido ou o atrapalhado de um fantasma, pronto para lhe pregar sustos. Estando a sós, tinha que visitar e revisitar os cômodos, conferir por duas, três, quatro vezes se as janelas estavam com as tramelas trancadas.
Quando saía à rua, fechava a porta, mas voltava para conferir se ela estava mesmo trancada. Estava. Entretanto, quinze metros adiante, a dúvida o assaltava: estava mesmo? Então, dava meia volta e ia conferir.
Elpídio sentia que seu procedimento estava se tornando cada vez mais doentio, com ele ficando cada vez mais inseguro. Com a insegurança, sobreveio-lhe uma gagueira, que mais se acentuava quanto mais nervoso ficava.
Na escola, os colegas o apelidaram de Gaguinho. Se, por um lado, isso lhe trazia muitos aborrecimentos, por outro, tinha suas compensações. Os professores, por exemplo, desistiam de lhe fazer arguição. Como isso, foi passando de ano, na base de menor esforço.
Passadas a infância e a adolescência, foi Elpídio morar na cidade grande, onde lhe arrumaram um emprego e uma casa para morar.
Na verdade, a casa era uma república, onde ele dividia um quarto com mais três colegas. Como o quarto era pequeno, usavam beliches, o que mascarava seu medo e o liberava de vasculhar debaixo das camas e conferir as fechaduras dos cômodos.
No trabalho, conheceu uma moça e, apesar dos tropeços com a gagueira, começaram um namoro que, logo, acabou em casamento.
Nos três primeiros meses de casado, tudo correu a mil maravilhas, com a gagueira diminuindo e as manias suspensas. Já no quarto mês, Elpídio retomou a dificuldade em falar, enquanto a esposa o surpreendia, à noite, perambulando pela casa, verificando as portas e janelas.
Elpídio se angustiava com suas manias, enquanto sua esposa fingia que não era nada.
Certo dia, ao sair para o trabalho, tendo deixado a mulher ainda dormindo, depois de ter caminhado por vinte e cinco minutos, Elpídio foi assaltado pela dúvida se teria ou não deixado a porta da sala trancada.
Por via das dúvidas, voltou para conferir. A porta estava fechada só com o trinco.
Ouvindo barulhos no quarto, resolveu ir até lá dar um alô para a esposa. Ela estava nuazinha sob um homem, que Elpídio reconheceu como um dos colegas dos tempos de república. Estavam tão distraídos, que nem se deram conta da presença de Elpídio no quarto. Ele foi até a cômoda e de lá tirou um revólver, disparando diversos tiros sobre o casal.
Elpídio foi preso em flagrante, já que uma viatura policial passava pelas proximidades e os policiais ouviram os disparos. Foi encaminhado para um presídio de segurança máxima.
Foi lá que teve contato com um terapeuta. Nas várias sessões, individuais ou de grupo, ficou sabendo que era portador de um distúrbio chamado TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Elpídio se sentiu leve e reconfortado ao tomar conhecimento de que dispunha de um distúrbio, ele que achava não ser bom da cabeça. Com o diagnóstico, sentiu que sua vida seria bem mais fácil, mesmo estando atrás das grades de um presídio.
Apesar da gagueira, descobriu ser um ótimo cantor. Nas comemorações e festejos, era um dos destaques, com seus números musicais.
No fundo e ao fim de tudo, sentia-se grato ao TOC, pois foi graças a ele que descobriu a infidelidade da esposa e encontrou seu talento musical. Por isso, Elpídio reconhece que há males que vêm para bem e que não há mal que nunca acabe.
Etelvaldo Vieira de Melo


     

LUA

Imagem: hypescience.com

Não pude ver a lua.
Abri a janela
mas as grades impediram
a visão do satélite.

Desci ao portão
(vigie o ladrão)
Olhei para cima.
Os prédios rebeldes
fizeram-me a roda
então nada vi.

Não há nenhuma lua
pensei, automobilando-me
no alto dos edifícios.

Forçando os olhos
tentava ultrapassar
os painéis de cimento.
                Em vão.

Súbito, me surpreendo.
Vejo luas de fato
várias luas brilhando.
Quem eram as luas
redondas e azuis
que eu não lera na mídia?

Apenas os faróis
talvez de TV
me espiavam luminosos.
Eu queria ver a lua.
Acreditava sem dúvida
que existia uma lua
única e feiticeira
da noite de agosto.

Uma luz piscou
e rápida filmou
a mulher pequenina
lá embaixo um pontinho
no meio da rua.

Parecia novela
cena de mistério
de canal do outro mundo.

Não pude ver a lua.
Ela só apareceu no sonho
confusa
pálida de sono.
Só no sonho
havia Lua
porém sem estrelas
nem sentimento.

De manhã veio o sol:
convidei-o e não aceitou
botar algum raio
para dentro do quarto.
O frio sombrio
lembrou sem reservas
de que lua é mentira
história da carocha
para quem não acredita
em sonos perdidos
no quadrado da cela
do meu apartamento.







BABAQUICE DE PANACA

Jogando rápido e rasteiro como o (antigo) time do Cruzeiro, quero lhe fazer uma proposta indecente: a de deixar esse vício de ser um torcedor de futebol.
Por favor, não saia correndo. Deixa, pelo menos, eu explicar o teor da proposta. Caso não seja convincente, dou-lhe o direito de me nomear com todos aqueles palavrões que você usa nos estádios. Se eu acertar na mão, estarei lhe prestando um favor, do qual será grato por toda a vida. Ele é de graça, pois não sou da laia desses políticos que vivem do toma lá, dá cá – mais dá cá que toma lá.
Minha ideia é simples, mas – a exemplo dos aplicativos da Internet – preciso de sua permissão para entrar no disco rígido de seu cérebro e ali fazer modificações.
Antes, porém, preciso fazer um reparo. Sei que você anda de olho atravessado com Cuba, último baluarte do comunismo no mundo, notadamente por essa história de importação de médicos.
A lembrança de Cuba aparece como contraponto ao capitalismo, esse, sim, que deu certo e que será usado amplamente aqui - já que, como fala o dito esportivo, não se mexe em time que está vencendo.
Deixando de lado a burocracia de ter que ler todos os quesitos de nosso contrato e pedindo-lhe para que coloque logo um V no quadradinho do “li e concordo”, lá estou eu me aventurando a penetrar em sua cabeça. Já recebi uma vacina múltipla (para me prevenir contra a contaminação por vírus letais); também estou equipado com óculos de raios infravermelhos, para não me perder nos meandros e labirintos de seu cérebro, muitos deles sem saída, com risco de cair em armadilhas mortais; finalmente, não deixei de me equipar com armamentos e munições apropriadas, para enfrentar espectros de psicopatas e seriais killers.
Veja o que estou vendo: No vestíbulo de sua mente, existe um armário onde você guarda suas armas, todas trancadas com chaves, exceto uma prateleira onde está exibido um Dicionário de Palavras Obscenas e Ofensivas. Como ainda carrego muito de inocência, não vou ler sequer uma de suas páginas.
         Na terceira ou quarta sala, encontro uma caixa, de onde saem ramificações, chamada de Núcleo Central ou Elemento Alfa (µα); ali ficam armazenadas todas as motivações que fazem de você um torcedor. É aí que terei acesso a códigos secretos e onde irei implantar o explosivo PCB (o que não é sigla de Partido Comunista Brasileiro). Ele irá contaminar o Núcleo, arrebentando com as suas motivações de ser torcedor de futebol. O Capitalismo irá nos proporcionar essa arma.
Ele, o Capitalismo, está estruturado sob/sobre (não sei bem ao certo) certas regras. Uma delas fala das relações de custo e benefício. Quando alguém for fazer algo, deve colocar numa balança imaginária, de um lado, os gastos, os custeios; de outro, as vantagens, os benefícios. Da relação custo X benefício sai a decisão se vale ou não vale a pena comprar um produto ou tomar determinada atitude.
            Ora pois, do ponto de vista lógico, se você encontra uma vantagem em torcer para determinado time, as desvantagens são duas, no mínimo. Para o torcedor de futebol, existem, pelo menos, dois times do coração: um que ele ama e, outro, que ele odeia, quer ver morto. A bem da verdade, o torcedor legítimo sente maior prazer em ver o time rival derrotado do que o seu ganhando. Tudo está explicado num quadro que os matemáticos chamam de análise combinatória.  Quando você confronta os resultados de seu time do coração com aquele que você quer ver morto, encontra três alternativas positivas contra seis negativas (por exemplo, quando seu time “A” vence (V) e o time rival “B” também vence (V), o resultado é negativo (-), pois “B” não deveria vencer).
           

A
              V        
   
   V
   
   V
   
   E
   
   E
   
   E
   
   D
   
   D
   
   D
B
  V
   E
   D
   V
   E
   D
   V
   E
   D
R
   -
   +
   +
   -
   -
   +
   -
   -
   -

Este princípio (Principio de Custo X Benefício: PCB) é que estou tentando implantar em sua mente, o explosivo que pode ser capaz de detonar com as suas motivações de torcer para determinado time.
            Se você entrasse no submundo do futebol, com jogos e campeonatos comprados, salários estratosféricos de jogadores, dirigentes corruptos, você encontraria mil razões para deixar a condição de torcedor. Como você dá mostras de um comportamento sadomasoquista, talvez essas razões não sejam suficientes. É por isso que estou apelando para nosso Irmão Maior, aquela autoridade suprema do mundo moderno, o Capitalismo, extraindo de seus princípios básicos algo que lhe ajude a deixar de lado essa bobagem de ficar torcendo a troco de derrotas. Em síntese, se você tem 3 (três) motivos, pelo menos, para ser um torcedor, lembre-se que, em contrapartida, terá, pelo menos, outros 6 (seis) para deixar de ser.
PS: Este argumento poderá funcionar após uma derrota, mas não em condições normais de temperatura e pressão, quando o futebol funciona como anestésico, um tipo de ópio do povo.
Etelvaldo Vieira de Melo


PAN PAN PAN PAN

Você assistiu aos jogos pan-americanos de Toronto pela TV? Comecei a ver a partir das disputas de natação, tendo perdido as apresentações de ginástica – justamente aquelas que são minhas preferidas.
Durante os jogos, duas imagens chamaram de maneira especial minha atenção.
A primeira delas foi de atletas brasileiros fazendo continência, quando da entrega de medalhas. Na primeira vez que vi a cena, fiquei agradavelmente surpreso. Depois, fiquei querendo mais e mais. Quando procurei saber os detalhes daquelas cenas inéditas para mim, fui informado de que aqueles atletas eram militares das Forças Armadas. Junto com o esclarecimento, li muitas asneiras, como teorias conspiratórias e jogadas de marketing. O que ficou foi o gesto de patriotismo e de orgulho por ver a bandeira brasileira sendo hasteada e o hino nacional sendo tocado.
Outra cena que chamou de maneira especial minha atenção foi dada pelas jogadoras de vôlei dos Estados Unidos. É comum jogadores de vôlei se abraçarem quando da conquista de pontos. A inovação dessas atletas foi elas se abraçarem quando uma errava e o time perdia ponto. Aquele gesto de abraço (que não era de tamanduá) mesmo na derrota parece que unia mais o grupo, representava uma força a mais para a conquista de vitórias que viriam no final.
Normalmente, o que ocorre é os atletas se abraçarem na conquista de pontos, enquanto aquele que comete um erro ter que amargar quase que sozinho a falha. Com isso, muitos demoram a retomar a autoestima, o que ocasiona, muitas vezes, derrota para a própria equipe.
Esses dois exemplos deveriam ser copiados em várias situações de vida. Gostaria que servissem de modelo para uma classe em especial, a política.
O Brasil vive momentos conturbados nos planos político, econômico e social. Os políticos deveriam zelar pelo bem comum, deveriam ser modelos de patriotismo, teriam que estar unidos em torno de seus partidos. Mas nada disto ocorre. Muitos manifestam reação alérgica quando se fala em patriotismo; fidelidade partidária é uma balela, enquanto muitas lideranças ficam falando grosso, fazendo ameaças, quando deveriam estar por trás das grades, por comprovadas denúncias de corrupção, desvio de dinheiro público (eufemismo para roubo) – dinheiro do povo, extorquido das massas assalariadas.
Os jogos pan-americanos deram belos exemplos. Pena que não são aproveitados.
De minha parte, tenho dois propósitos.
O primeiro: sempre “abraçar” as pessoas que me estão próximas, notadamente quando se encontram em momentos difíceis.
Outro: vou procurar de todas as maneiras os meios de demonstrar patriotismo. Esta é uma questão que me parece um tanto quando difícil – como um cidadão, de estatura mediana, do baixo estrato social, mais pra lá do que pra cá, pode manifestar, através de gestos concretos, o amor pelo seu país?
Atormentado por tal desafio, vejo que moro num país de contrastes. Se ele é tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, por outro lado, gosto mais ou menos de carnaval, não sou Flamengo e não tenho uma nega chamada Tereza. Apesar da identidade linguística, vejo muitas diferenças regionais, de hábitos de vida e de maneiras de ser. Quase que me arrisco a dizer que se trata de um país impraticável.
Não levantaram a hipótese de dividi-lo em partes independentes? Pois acho que poderia ser assim. É mais fácil cuidar de uma casa pequena e acolhedora do que de um casarão.
Durante os jogos pan-americanos, uma terceira imagem me chamou a atenção. Não foi bem uma imagem, mas a lembrança de um país da América Central: a Costa Rica.
Ela apresenta dados modestos: uma extensão territorial de 51.100 km2 e uma população de 4.868.148 habitantes, segundo censo de 2013. No entanto, apesar, desses números, conseguiu erradicar o analfabetismo e é um exemplo de desenvolvimento sustentável. Outra de suas conquistas foi ter abolido as forças militares, dispondo apenas de força policial. Embora os dados estatísticos oscilem mais do que folhas de bananeiras, em minhas pesquisas observei que Costa Rica apresenta um alto índice de desenvolvimento humano (0,838 contra 0,744 do Brasil) e é um dos países que mais contribuem para a preservação do meio ambiente, sendo o 5º a nível mundial e o 1º entre os países americanos. Se a nossa expectativa de vida é de 74,9 anos, a dos costa-riquenhos é de 78 anos.
No frigir dos ovos, deixo aquele recado para a classe política do Brasil, lembro o compromisso de “abraçar” os meus próximos, enquanto tento desvendar o enigma da esfinge (como demonstrar amor para com esse “gigante deitado eternamente em berço esplêndido”).
Caso não consiga desvendá-lo, estou namorando três ideias: me mudar para “Feliz”, cidade do Rio Grande do Sul (onde poderei ser feliz sem fazer muito esforço), ir morar na Costa Rica (mesmo não hablando castelhano) ou, o que seria mais fácil – porque só teria que usar as asas da imaginação – pegar carona com Manuel Bandeira num trem pra Pasárgada.
Etelvaldo Vieira de Melo

ANÁLISE

imagem: saude.culturamix.com

Maquillage básica.
Vestido de bolas sombras anéis
botas pulseiras
brincos de pérola.

Usa o celular,
mas ninguém atende.
Sempre NINGUÉM entende.

(Silêncio)

Está vendo o band-aid?
É a unha ferida.
A unha não fecha.
Nem com antibióticos
a ferpa não fecha.
O que fazer então
para melhorar a aparência
e fechar de vez a dor?

Ah essa unha!
O esmalte arrebenta fácil.
Era tão róseo
 e se arrebentou. Será o fim?

(Silêncio)

Não adianta.
A unha ferida
e o esmalte cintilante
são a sina da mulher.

         Já basta!
         Melhor partir.

Bebe algo
pega as chaves
fecha a porta
e me diz adeus!