TOC-TOC

          
E
lpídio da Sá Zilinha passou a infância morando numa das mais pobres casas de uma pobre cidade.
Como as noites eram iluminadas por lamparinas à base de querosene, o nariz ficava tomado por uma borra escura, só removida com lenço, que ficava, por sua vez, todo manchado.
A luz da lamparina também projetava nas paredes sombras fantasmagóricas, que vinham povoar de pesadelos as noites de Elpídio.
Foi assim que o pobre moço começou a cultivar certas manias. Toda noite, por exemplo, tinha ele que vasculhar sob a cama, para se certificar que não havia um ladrão escondido ou o atrapalhado de um fantasma, pronto para lhe pregar sustos. Estando a sós, tinha que visitar e revisitar os cômodos, conferir por duas, três, quatro vezes se as janelas estavam com as tramelas trancadas.
Quando saía à rua, fechava a porta, mas voltava para conferir se ela estava mesmo trancada. Estava. Entretanto, quinze metros adiante, a dúvida o assaltava: estava mesmo? Então, dava meia volta e ia conferir.
Elpídio sentia que seu procedimento estava se tornando cada vez mais doentio, com ele ficando cada vez mais inseguro. Com a insegurança, sobreveio-lhe uma gagueira, que mais se acentuava quanto mais nervoso ficava.
Na escola, os colegas o apelidaram de Gaguinho. Se, por um lado, isso lhe trazia muitos aborrecimentos, por outro, tinha suas compensações. Os professores, por exemplo, desistiam de lhe fazer arguição. Como isso, foi passando de ano, na base de menor esforço.
Passadas a infância e a adolescência, foi Elpídio morar na cidade grande, onde lhe arrumaram um emprego e uma casa para morar.
Na verdade, a casa era uma república, onde ele dividia um quarto com mais três colegas. Como o quarto era pequeno, usavam beliches, o que mascarava seu medo e o liberava de vasculhar debaixo das camas e conferir as fechaduras dos cômodos.
No trabalho, conheceu uma moça e, apesar dos tropeços com a gagueira, começaram um namoro que, logo, acabou em casamento.
Nos três primeiros meses de casado, tudo correu a mil maravilhas, com a gagueira diminuindo e as manias suspensas. Já no quarto mês, Elpídio retomou a dificuldade em falar, enquanto a esposa o surpreendia, à noite, perambulando pela casa, verificando as portas e janelas.
Elpídio se angustiava com suas manias, enquanto sua esposa fingia que não era nada.
Certo dia, ao sair para o trabalho, tendo deixado a mulher ainda dormindo, depois de ter caminhado por vinte e cinco minutos, Elpídio foi assaltado pela dúvida se teria ou não deixado a porta da sala trancada.
Por via das dúvidas, voltou para conferir. A porta estava fechada só com o trinco.
Ouvindo barulhos no quarto, resolveu ir até lá dar um alô para a esposa. Ela estava nuazinha sob um homem, que Elpídio reconheceu como um dos colegas dos tempos de república. Estavam tão distraídos, que nem se deram conta da presença de Elpídio no quarto. Ele foi até a cômoda e de lá tirou um revólver, disparando diversos tiros sobre o casal.
Elpídio foi preso em flagrante, já que uma viatura policial passava pelas proximidades e os policiais ouviram os disparos. Foi encaminhado para um presídio de segurança máxima.
Foi lá que teve contato com um terapeuta. Nas várias sessões, individuais ou de grupo, ficou sabendo que era portador de um distúrbio chamado TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Elpídio se sentiu leve e reconfortado ao tomar conhecimento de que dispunha de um distúrbio, ele que achava não ser bom da cabeça. Com o diagnóstico, sentiu que sua vida seria bem mais fácil, mesmo estando atrás das grades de um presídio.
Apesar da gagueira, descobriu ser um ótimo cantor. Nas comemorações e festejos, era um dos destaques, com seus números musicais.
No fundo e ao fim de tudo, sentia-se grato ao TOC, pois foi graças a ele que descobriu a infidelidade da esposa e encontrou seu talento musical. Por isso, Elpídio reconhece que há males que vêm para bem e que não há mal que nunca acabe.
Etelvaldo Vieira de Melo


     

1 comentários:

Fábio Y disse...

Este Ellpidio! Conheço alguém que dizem ter mania de conferir portas....

Postar um comentário