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Se
arrependimento matasse, eu já estaria morto e soterrado há muito tempo. Claro
que existir significa fazer escolhas. Quando escolhemos algo, deixamos de lado
muitas outras opções, donde concluo que nossas possibilidades de erro são bem
maiores do que as de acerto. Pelo menos no plano das estatísticas matemáticas.
No entanto, como a vida não se resolve com fórmulas matemáticas, não vou ficar
aqui lamentando meus erros, porque quem chora o leite derramado ou é bebê com
fome ou é Chico Buarque.
Mas, que carrego muito
arrependimento pela vida afora, isso eu carrego. Um deles foi o de não ter
aprendido uma língua estrangeira, eu que sonhava em me tornar cidadão do mundo.
Dominando mal e mal o português, não me atrevo a colocar nem a ponta do nariz
para fora de meu país, embora a tecnologia moderna tenha feito uma abertura dos
portos e aeroportos, das estações e das rodoviárias, das emissoras e das
transmissoras, tudo para acolher os vocabulários amigos, conhecidos, parentes e
até inimigos. Assistimos hoje a uma enxurrada de estrangeirismos.
É por isso que a falta do domínio de
uma língua estrangeira me incomoda tanto, como se fosse um calo no pé ou uma
unha encravada.
Sinto-me assim, entrevado pela
ignorância, eu que tive oportunidades auríferas de aprender vários idiomas,
enquanto estudante. Cheguei ao ponto de estudar uma língua morta! Para os
desavisados, preciso esclarecer que tal estudo não foi feito num Instituto de
Medicina Legal e nem num Centro Espírita. Tudo ocorreu num ambiente de sala
normal, a língua era o latim e o professor dava aula dormindo. Coitado, ele
tinha uma vida muito atribulada e era um pouquinho gordo.
Ele se chamava Aguiar, padre Aguiar.
Todo dia, menos aos sábados e domingos, vinha a guiar seu corpo rechonchudo em
direção à sua cadeira de professor, que ficava sobre um estrado. Assim que se
assentava, ajeitava os óculos de lentes grossas, pegava uma caneta e começava a
arguição. E lá íamos nós: “rosa, rosa, rosae, rosam, rosa”. Assim que um
terminava, ele esbravejava, mais pra espantar o sono: “Seguinte!”, e mais um se
apresentava para recitar a segunda declinação. Enquanto íamos debulhando as
declinações, o padre ficava tamborilando a caneta sobre a mesa. De repente, a
caneta caía: era a hora em que o sono vencera a vigília. O ressonar durava
alguns minutos, até ele acordar, gritando: “Seguinte!”.
E o kiko? E eu com isso? Acabei sem
aprender nada. Hoje, o que lembro não passa de uma frase, uma espécie de
pegadinha: “Mater tua mala burra est”, onde não se xinga a mãe de ninguém,
simplesmente diz que “tua mãe come maçã madura”.
Estudei grego, e só me lembro do
professor, um alemão, dizendo: “A grega é muito bonita!”. Devia ser mesmo, os
tempos eram outros e a Grécia não estava nessa situação falimentar em que se
encontra hoje. Se a grega era bonita, o grego – enquanto língua – era difícil
pra caramba, uma encrenca que não entrava de jeito nenhum na minha cabeça. Como
na época eu tinha alergia para qualquer tipo de esforço mental, acabei
aprendendo nada vezes nada, nada além de uma frase que transcrevo como se
pronuncia, já que o world se recusa a me repassar o alfabeto (alfa e beta)
grego: “ré paideia troufé psiqué estim” (a educação é o alimento da alma).
Bonito, não é? Coisa feia é quando
me lembro do estudo do inglês, do qual guardo o indefectível “the book is on
the table”. Já o francês, por um lado foi pior, por outro foi melhor. O melhor
foi ter me apaixonado pela professora, Consuelo. Amor de adolescente, amor
platônico. Consuelo sabia disso, pois como explicar o fato dela ficar rindo
para mim e de ter me empurrado para a série seguinte, sem que eu soubesse
contar de um a dez na língua de Voltaire?
Aqui se faz, aqui se paga – não é
assim que fala o ditado? Talvez como castigo para tanta negligência, estou agora
sendo cobrado. O Blogger, dono do meu blog, está exibindo um aviso de que a
União Europeia exige que eu faça notificação dos “cookies” utilizados. Minha
primeira reação foi pensar: “Ai, ai, ai, ai, ai!”. Depois, caiu sobre minha
cabeça uma tonelada de pensamentos negativos: vou ser preso, vou ser
processado, o blog vai sair do ar, estou perdido num mato sem cachorro. Num
terceiro estágio, corri ao dicionário, em busca da tradução do termo. Encontrei
a palavra “bolacha”. Meu pavor aumentou ainda mais: bolacha é o formato de uma
mina, que está a ponto de explodir. Fiquei paralisado, como se estivesse mesmo
pisando num campo minado. Um passo á frente e mal haveria de ouvir o início da
explosão: BOOOM!
Aos poucos, os batimentos cardíacos
voltaram ao normal. Sabia, agora, estar lidando com um termo usado na
informática. Pesquisei seu significado e, quanto mais lia sobre o tema, menos
ficava entendendo. Enraivecido e chateado com minha ignorância, fui até a
padaria do bairro e comprei meio quilo de bolachas. Elas estão postadas em foto
aí no alto da página. Estou fazendo de tudo ao meu alcance para atender às
exigências dessa tal de União Europeia. Se julgarem que tudo isso é pouco,
posso colocar as referidas bolachas em embalagem, enviando-as por Sedex. No
verso do invólucro, irei subscritar: À União Europeia – Danger! (como vejo
muito em filmes) – Cookies!
Etelvaldo
Vieira de Melo
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