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Existem filas e filas. Por exemplo: existe a Fila
das Bailarinas de “Mil e Uma Noites”, aquela cheia de curvas e ondulações;
existe a Fila dos Pigmeus, que é feita na vertical, com as pessoas vão se
ajeitando sobre os ombros umas das outras; existe a Fila do Eletrocardiograma,
com as pessoas se dispondo em zigue-zague.
A
Fila Indiana é uma das grandes contribuições das culturas inca e maia para as
outras civilizações. Caminhando pelas trilhas de regiões montanhosas, os índios
se organizavam em filas, indo um atrás do outro. Tal fato incutia-lhes senso de
ordem e disciplina.
Já
os índios brasileiros, por caminharem em regiões descampadas, tinham uma mente
anarquista e bagunçada. Seu legado cultural ficou mais restrito ao cultivo da
mandioca e de outras leguminosas.
A
ideia da fila indiana foi adotada com entusiasmo por outros povos, sendo usada,
especialmente, nas agências bancárias, quando clientes aguardavam em fila para
serem atendidos pelos caixas. (Arqueólogos ainda podem encontrar resquícios
dessa prática através de marcas nos pisos das agências). A Igreja Católica
também usou muito desse expediente em suas cerimônias religiosas, em especial
nas suas procissões.
Hoje,
por meio de novas tecnologias, muitas filas foram substituídas por senhas. Tem
gente que considera o uso de senhas um avanço positivo; outros pensam que não:
preferiam ficar em pé, em fila, fungando no cangote do filante (fileirante?
filador?) em frente. Para quem gosta de uma leitura, mesmo dessas revistas que
descrevem futilidades de celebridades, a senha tem o inconveniente de exigir
uma atenção constante para com um monitor, que registra os números chamados. O
leiturista – que é um leitor que não lê direito -, coitado, fica naquele vai e
vem com olhos, da revista para o monitor e do monitor para a revista (como
antigamente, se ia ao vento, perdia-se o assento; se ia ao ar, perdia o lugar;
hoje, perdendo a numeração, perde-se a marcação). Ao fim, o leitor ou leiturista,
quando atendido, sente uma leve ou aguda dor de cabeça, tudo dependendo do
tempo de espera.
A
fila tornou-se, ao longo dos anos, um patrimônio cultural do povo brasileiro,
só faltando-lhe o reconhecimento oficial da UNESCO. Por isso, ela ainda persiste,
seja em frente a um caixa eletrônico, seja em frente a um guichê de cinema. Ela
se constitui um dos melhores pretextos para que pessoas desconhecidas se
conectem ou interajam. Muitos diálogos interessantes, dramáticos ou
humorísticos, são construídos em filas.
Talvez
seja por tudo isso, por seu valor histórico, cultural e de socialização, que
pessoas busquem ansiosas as filas. Tem gente que frequenta velórios só para se
postar em fila para manifestar seu sentimento ou pêsame. Outros não podem ver
alguém parado numa calçada: se aproximam e se organizam em fila. Caso algum
curioso queira saber o porquê, a razão daquela fila, haverá de ter esta
desconexa explicação: “Nem mesmo sei. Vi um tanto de gente parada e me
ajuntei”.
Como
pode ser depreendido e desprendido deste texto, onde as palavras se alinham em
filas, a fila tem um valor terapêutico inestimável. Nela aprendemos lições de
estoicismo, entendemos o sentido da expressão “ter a paciência de Jó”. Agora, o
grande mérito da fila é de possibilitar o cultivo da esperteza, muito usada
pelos “fura-filas”; enquanto essas raposas se adiantam frente ao galinheiro,
outros esbravejam: “Olha a fila! Respeita a fila, seu safado!”.
Etelvaldo Vieira de Melo
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