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Um religioso, de razoável
notoriedade por causa de sua postura ideológica, falou em palestra que não tem
o hábito de dar esmola. Em vez disso, faz agrado com balas e impondo a mão
sobre o pedinte.
Isso acontece
especialmente com meninos de rua, fato que, caso o público fosse outro, seria
de agrado da classe dos dentistas, em vista do aumento de clientes para
tratamento de cáries.
Conta o religioso que,
por esses dias, encontrou-se em dificuldades, com seu estoque de balas tendo acabado
e faltando um menino para ser atendido.
- Sinto muito, mas não
tenho balas para lhe dar – falou, constrangido, para uma criança parda, não se
sabe se pela cor da pele ou pela sujeira, e de olhar brilhante.
- Não – falou, quase
ansioso, o menino. – Eu não quero bala, quero que o senhor ponha a mão na minha
cabeça!
De minha parte, eu não me
incomodaria se esse religioso me desse algumas balas e impusesse sua mão
direita sobre a minha cabeça.
Mas o que gostaria mesmo
era que eu colocasse minha mão sobre sua cabeça. Por quê? Tenho desenvolvido
certas habilidades, vamos dizer, mediúnicas, e sou capaz de ler a mente de
certos indivíduos, através da imposição de minha mão sobre suas cabeças.
É sabido que esse
religioso teve ligações íntimas e secretas com dirigentes políticos deste país.
Durante alguns anos, frequentou os bastidores e os
porões do poder. Como as informações políticas que caem no domínio público são
sempre distorcidas, remendadas e camufladas, quem sabe eu posso desvendar
segredos guardados a sete chaves e levá-los ao conhecimento do povo em geral?
Acredito que não terei
maiores dificuldades em alcançar meu intento. Difícil será convencer o
religioso de que não estarei lhe fazendo uma sessão de exorcismo. O bom de tudo
é que ele pode ter a mente aberta o suficiente para que eu leia seus segredos.
Você me pergunta por que
não faço esse exercício de impor a mão sobre a cabeça de um político. Meus
estudos dizem que é de todo impossível: uma das primeiras providências de um
político é a de codificar o acesso ao seu cérebro; por isso, até mesmo delações
premiadas de empresários esbarram em dificuldades quando confrontadas com um
político corrupto.
Quando estudei essa
habilidade de ler a mente, vi que ela é resultante de um hormônio produzido
pelo meu organismo, chamado estrogona, hormônio que é encontrado em
reduzidíssimo número de pessoas no mundo: sete, tão somente.
Como muitos indivíduos
têm seus cérebros bloqueados por códigos de segurança, meu índice de acesso às
mentes gira em torno de 3,33%. Se eu atingisse um percentual de 100%, imagino
que poderia ser útil em muitas situações. Poderia, por exemplo, ficar ao lado
do juiz responsável pela investigação da Operação “Lava-Jato”. Com a imposição
de minha mão sobre as cabeças dos prisioneiros, a delação premiada poderia ser
descartada, e os dedos-duros teriam que usá-los para outros fins (por exemplo:
enfiando-os na boca e rasgando de raiva). Com minha atuação, haveria a promessa de que os
vazamentos de informações não mais seriam seletivos, mas amplos, gerais e
irrestritos. Poderia ficar ao lado de padres em
cerimônias de casamento, dispensando-os da ridícula pergunta se é de livre e
espontânea vontade dos nubentes aquele ato de “juntar os panos”. Poderia,
também, nos tribunais de justiça, eliminar a burocracia dos processos, ajudando
os juízes a darem seus veredictos de forma rápida, concisa e precisa. Poderia,
enfim, entre milhares de outras atribuições, fazer uma seleção entre
pretendentes a cargos públicos, eliminando os corruptos e malfeitores.
Dizem as más línguas que
a China chegou a produzir, em versão sintética, esse hormônio estrogona. Ele não
foi comercializado por causa de seu efeito explosivo e pelo seu ainda baixo
nível de aproveitamento. Os chineses acreditam que, assim que a humanidade
entrar na Era de Aquários, ele estará, enfim, pronto para ser lançado no
mercado. Quem viver verá.
Etelvaldo Vieira de Melo
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