ATIVIDADE PARANORMAL

Imagem: projetomaosquecuram.blogspot.com

      Um religioso, de razoável notoriedade por causa de sua postura ideológica, falou em palestra que não tem o hábito de dar esmola. Em vez disso, faz agrado com balas e impondo a mão sobre o pedinte.
      Isso acontece especialmente com meninos de rua, fato que, caso o público fosse outro, seria de agrado da classe dos dentistas, em vista do aumento de clientes para tratamento de cáries.
      Conta o religioso que, por esses dias, encontrou-se em dificuldades, com seu estoque de balas tendo acabado e faltando um menino para ser atendido.
      - Sinto muito, mas não tenho balas para lhe dar – falou, constrangido, para uma criança parda, não se sabe se pela cor da pele ou pela sujeira, e de olhar brilhante.
      - Não – falou, quase ansioso, o menino. – Eu não quero bala, quero que o senhor ponha a mão na minha cabeça!
      De minha parte, eu não me incomodaria se esse religioso me desse algumas balas e impusesse sua mão direita sobre a minha cabeça.
      Mas o que gostaria mesmo era que eu colocasse minha mão sobre sua cabeça. Por quê? Tenho desenvolvido certas habilidades, vamos dizer, mediúnicas, e sou capaz de ler a mente de certos indivíduos, através da imposição de minha mão sobre suas cabeças.
      É sabido que esse religioso teve ligações íntimas e secretas com dirigentes políticos deste país. Durante alguns anos, frequentou os bastidores e os porões do poder. Como as informações políticas que caem no domínio público são sempre distorcidas, remendadas e camufladas, quem sabe eu posso desvendar segredos guardados a sete chaves e levá-los ao conhecimento do povo em geral?
      Acredito que não terei maiores dificuldades em alcançar meu intento. Difícil será convencer o religioso de que não estarei lhe fazendo uma sessão de exorcismo. O bom de tudo é que ele pode ter a mente aberta o suficiente para que eu leia seus segredos.
      Você me pergunta por que não faço esse exercício de impor a mão sobre a cabeça de um político. Meus estudos dizem que é de todo impossível: uma das primeiras providências de um político é a de codificar o acesso ao seu cérebro; por isso, até mesmo delações premiadas de empresários esbarram em dificuldades quando confrontadas com um político corrupto.
      Quando estudei essa habilidade de ler a mente, vi que ela é resultante de um hormônio produzido pelo meu organismo, chamado estrogona, hormônio que é encontrado em reduzidíssimo número de pessoas no mundo: sete, tão somente.
      Como muitos indivíduos têm seus cérebros bloqueados por códigos de segurança, meu índice de acesso às mentes gira em torno de 3,33%. Se eu atingisse um percentual de 100%, imagino que poderia ser útil em muitas situações. Poderia, por exemplo, ficar ao lado do juiz responsável pela investigação da Operação “Lava-Jato”. Com a imposição de minha mão sobre as cabeças dos prisioneiros, a delação premiada poderia ser descartada, e os dedos-duros teriam que usá-los para outros fins (por exemplo: enfiando-os na boca e rasgando de raiva). Com minha atuação, haveria a promessa de que os vazamentos de informações não mais seriam seletivos, mas amplos, gerais e irrestritos. Poderia ficar ao lado de padres em cerimônias de casamento, dispensando-os da ridícula pergunta se é de livre e espontânea vontade dos nubentes aquele ato de “juntar os panos”. Poderia, também, nos tribunais de justiça, eliminar a burocracia dos processos, ajudando os juízes a darem seus veredictos de forma rápida, concisa e precisa. Poderia, enfim, entre milhares de outras atribuições, fazer uma seleção entre pretendentes a cargos públicos, eliminando os corruptos e malfeitores.
      Dizem as más línguas que a China chegou a produzir, em versão sintética, esse hormônio estrogona. Ele não foi comercializado por causa de seu efeito explosivo e pelo seu ainda baixo nível de aproveitamento. Os chineses acreditam que, assim que a humanidade entrar na Era de Aquários, ele estará, enfim, pronto para ser lançado no mercado. Quem viver verá.
Etelvaldo Vieira de Melo

0 comentários:

Postar um comentário