O PROCESSO

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Diante da porta, o senhor M estacou. O guardião anunciou que ele poderia sair porque não estava ali para proibi-lo, embora representasse a Suprema Justiça e tivesse ordens para resguardar o local. Apesar do aviso, ao vê-lo com a barba em riste, o semblante marcado de tisne, o senhor M permaneceu em pé junto ao muro, meneando um gesto qualquer.
Argus questionou:
- Quer um banquinho para se sentar, enquanto acontece o julgamento?
O senhor M recebeu o banco, assentou-se sem dizer palavra. Lá dentro, o processo continuava. Já estariam a cerca de um sexto dos embates. De que o acusariam hoje? Fazia cinco anos que se reuniam pontualmente às três horas, todos os dias. Nesse ínterim, os papéis e pastas se acumulavam, alcançando o teto em grande extensão do plenário. De semana em semana, um deles lia os relatórios sobre os crimes cometidos. Imputavam-lhe sentenças provisórias, enquanto discorriam acerca das acusações hesternas: haver lesado o Tesouro Nacional; corrompido as leis, através de propinas; aliciado o júri a votar-lhe em favor, mediante dinheiro público. Por exemplo.  
O senhor M sabia que as sessões nunca terminariam; e se terminassem, caberiam recursos e embargos eternos, a fim de se manterem em convívio dialético. Haviam adquirido o hábito do banquete platônico e desse prazer não abdicavam. Enquanto isso, ele, o réu, mantinha-se encarcerado numa cela de dois metros, coberto de percevejos e ratos, a feijão e arroz podres.
- Não o proíbo de sair – conjuminou novamente Argus, com o olhar extenuado, porém irisado de tons rubro-cinza. O senhor encontrará outras portas pela frente, mas os demais soldados lhe dirão o mesmo que eu.
Então, nessa hora, o senhor M se levantou. Deu alguns passos à frente. Aí, titubeou, parou e ficou mirando a altura do portal. Percebeu que o feroz Argus se afastara, talvez buscando um café. Perante a difícil liberdade, perdeu o ânimo e virou-se para o banco. Um torpor de morte o invadiu. Tornou a erguer-se, mudou o rumo, deitou-se no catre.


O vigia retomou o posto.  
- Por que não saiu? Deixei-lhe a porta sem tranca. Facilidades... Saia agora, saia! - Se puder!
O processo parecia temporariamente encerrado. Seriam umas dezoito horas. Os magistrados certamente partiam bocejando, depois de assinar a presente ata.

 Maria da Graça K. Rios

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