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- Colegas de auditório,
vamos cumprimentar o senhor presidente.
- Boa noite, senhor
presidente. – O auditório, todo ele feminino, fala em uníssono, como se tivesse
ensaiado.
- Data venia, boa
noite. É com prazer inusitado que me dirijo às senhoritas e aos milhares,
milhões de telespectadores.
- Ai! I, i, i, i... –
ri o apresentador, replicando os “is” como se estivesse engasgado. – Mas vamos
ao que interessa. Como dizem os amigos americanos: time is money. A questão é:
a Previdência está quebrada?
- Quebradérrima, diria
eu. Se não fizermos uma reforma urgente, não terei como pagar aos meus queridos
aposentados nos próximos meses.
- Por que isso
aconteceu?
- Os fatores são
vários. Eu detectaria, em primeiro lugar, que estamos pagando o preço da
evolução, da modernidade.
- Como assim?
- Na vida, tudo tem um
preço. Veja bem: eu mesmo, para chegar aonde cheguei, tive que pagar caro.
Agora mesmo estão os deputados me cobrando para arquivar mais uma denúncia de
corrupção. Está claro que vou pagar, embora o dinheiro não seja meu
propriamente, mas da mãe Joana.
- Vamos nos ater ao
script, para que eu não me perca.
- Pois, então: eu me
referia à expectativa de vida. Não faz sentido um trabalhador braçal se
aposentar aos cinquenta anos, como aconteceu comigo, e viver até os sessenta,
setenta anos. Imagine quando ele puder chegar aos noventa, cem anos! Vivendo
mais dez, vinte anos, o aposentado estaria contrariando aquela máxima de ser
chamado de “pé na cova”.
- Se entendi bem:
vivendo mais, trabalhar mais. Faz sentido.
- Eu, por exemplo,
embora recebendo uma gorda aposentadoria, continuo trabalhando como político. E
digo para vocês: o trabalho enobrece o ser humano.
- Além da expectativa
de vida ter aumentado, existe outro fator de quebra da Previdência?
- É preciso que o
telespectador entenda: o buraco da Previdência fica mais em cima, assim como o
da Saúde, da Educação, do Saneamento, enquanto quase todos os outros estão em
baixo. Assim, apesar de arrecadar muito, e nesse sentido ela não é deficitária,
tem que repassar valores para outras partes.
- Exemplos, por favor.
- Eu pergunto para
você: tem sentido gastar com aposentado enquanto deixo de desonerar e perdoar
dívidas de latifúndios, grandes empresas e bancos? Faz sentido eu pagar alguns
milhares de reais para aposentadoria de milhões de pessoas, quando esse
dinheiro poderia ser repassado para engordar outras aposentadorias de
magistrados (e de seus descendentes), de desembargadores, procuradores e
políticos?
- Eu mesmo tive um
banco que, se não houvesse ajuda do governo, teria me provocado grandes dores
de cabeça. Ai, Ai! I, i, i, i... Mas, realmente, o senhor tem razão. Eu só iria
discordar se não vivêssemos num regime de castas.
- Ainda bem que você
entende. A reforma trabalhista que aprovamos foi justamente para colocar cada
um no seu devido lugar, em especial os párias.
- Diante desse quadro,
o que sugere que seja feito pelas pessoas?
- Minha sugestão é que
busquem aposentadorias complementares. Como o governo é uma mãe Joana só para
alguns, sugiro aos assalariados reservarem uma quantia todo mês, algo em torno
de R$500,00 (quinhentos reais), para uma aposentadoria complementar. Assim,
aqueles que puderem e derem conta, estarão com os restantes dias de vida um
pouco resguardados para arcar com medicamentos e planos de saúde.
- Infelizmente, nosso
tempo se esgotou. Pelo que vi e senti, Ai! Ai! I, i, i, i..., o senhor está
fazendo jus ao slogan: “uma ponte (e não uma pinguela) para o futuro”.
- Muito obrigado pela
oportunidade desse profícuo diálogo com os cidadãos de nosso amado país. Data venia.
- Colegas de auditório:
a seguir, muitos aviõezinhos de cinco e de dez reais. Aguardem, após os
comerciais. Agora, vamos aplaudir e dar um adeusinho pro nosso presidente.
O auditório, de pé,
aplaude e acena um adeusinho.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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