AMPULHETA

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Imagem: thoth3126.com.br
Nesta vida não é novidade  morrer,
nem, entrementes, nascer.
Por isso, peço,
amarrem-me a um cometa,
enquanto – irmã de Penélope -
teço o manto das estrelas.

Afinal, que fazer
com o inferno nas ideias
e a lava nas palavras?

Parece,
sou o único ser (mal) criado
no solo do Brasil.

Sob o soluço dos fantasmas,
o tempo forja raios.
Os rumores do fogo
rolam-me eterna e poeticamente
pelas usinas do corpo
e do candente coração.
Graça Rios

REFLEXÃO Nº 1

Às vezes a sabedoria desce a montanha para nos falar. Quem tiver ouvidos que ouça.
Ivani Cunha

POR QUE ELE TEM E EU NÃO?

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Por favor, não diga que isso é bobagem.
Frequentemente me pergunto se não ando refletindo sobre obviedades, se não estou afirmando coisas que todo mundo anda cansado de saber. Entretanto, quando vejo pessoas agindo como se fossem cegas, sendo facilmente manipuladas pela chamada “Grande Imprensa” e por moralistas que se arvoram como donos da Justiça, penso que não só tenho o direito como também é meu dever trazer esses temas às claras, à luz do Sol e da Verdade.
Em vídeos sobre costumes em certos países europeus é frequente os repórteres ficarem abismados diante de exemplos de honestidade: comércios sem vendedores, onde os próprios fregueses efetuam os pagamentos, bancas de revistas sem jornaleiros, catracas de metrô sem fiscal, e por aí afora.
A explicação para isso nem sempre é declarada. O que a gente vê é um morador perguntar, quando questionado por não ser nem um tiquinho desonesto:
- Por que haveria de agir assim, querendo me apropriar do que não é meu?
Dá inveja ver gente assim, não é? Tentando entender o que está por trás disso, vejo que os motivos vão além de caráter, índole ou natureza. Aqui no Brasil, é costume as pessoas pensarem desta maneira: o brasileiro tem uma índole desonesta por causa dos elementos que entraram na formação de seu caráter: o branco português, o índio tupiniquim e o negro vindo da Costa Africana. Da mistura, saiu um povo cordato (?), alegre (?), afetivo (?), mas que também quer ser esperto e um pouco desonesto, trambiqueiro.
Acredito que a diferença de comportamento entre brasileiros e pessoas desses países não se deve tão somente à genética ou à herança cultural. Ela pode ser explicada pelo fato de que, nesses países, se pratica a justiça social (depois vou me alongar no tema, explicando o que entendo por “justiça social”). Já no Brasil, a renda é mal distribuída, concentrando-se nas mãos de uma minoria, enquanto grande parte vive com dificuldades e outros experimentam a degradação, a miséria (em 2017, 10% dos brasileiros detinham 43,3% da renda total do país; na outra ponta, os 10% mais pobres detinham apenas 0,7% da renda total).
Nos países europeus vistos em reportagens, não há disparidade de salários e o filho de um trabalhador braçal pode ser encontrado estudando na mesma escola do filho de um empresário ou de um político. A população não se sente usurpada ao ter que pagar seus impostos, pois sabe e vê que os valores serão revertidos em benefício de todos. Aqui no Brasil, ninguém quer saber de pagar impostos, mesmo porque as taxas praticadas são das maiores do mundo (pesquisas apontam que ele é o 7º maior cobrador de impostos no ranking mundial e o primeiro com pior retorno à população do dinheiro arrecadado). Aqui no Brasil, pobres e ricos vivem em mundos diferentes, enquanto que parcela da classe média arrota arrogância, não querendo que os menos favorecidos tenham melhores condições de vida.
O capitalismo é, por natureza, fator de desequilíbrio social. No entanto, aqui, onde assume ares selvagens, a tensão social é exacerbada, com os ricos pisoteando a classe média, que se volta contra os pobres e os miseráveis.
Assim, assistimos a uma professora universitária (!) se sentindo incomodada com o fato de uma pessoa simples estar viajando de avião:
- O que este sujeito está fazendo no aeroporto? Não sabe que aqui não é seu lugar? – ela fala para um colega.
Do mesmo modo, um metido a rico (e a besta) se sente ameaçado com o caseiro de seu sítio:
- Imagine que ele tem um carro e uma moto! – fala em tom de deboche.
O capitalismo envenena as pessoas. Se a gente não tomar cuidado, acaba se tornando um imbecil, ao ponto de não concordar com o bem estar, o sucesso e a felicidade dos menos favorecidos.
Seria bom que todos pensassem assim: quanto mais pessoas viverem com dignidade, melhor será este mundo, maior será a paz, menor será a violência, maior será a alegria, mais colorido terá a vida.
Sonho com um mundo assim. Sei que ele será possível quando houver justiça social. E este será o tema da próxima reflexão.
Etelvaldo Vieira de Melo

DOCES RECORDAÇÕES

Pense muito, também, nas lembranças que uma pessoa pode deixar neste mundão de Deus. Algumas, é claro, são inesquecíveis.

Ivani Cunha


HÁ MALES QUE VÊM PARA O BEM

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Imagem: blog.julianamotzko.com.br
Depois de aguardar por mais de quinze minutos para atravessar uma rua, tamanhos os fluxos e os refluxos de carros, eis que dou de cara com o Alderico.
Alderico ou Alberico, estou em dúvida, é um senhor que gasta mais de duas águas pra cozinhar, já que está quase chegando na casa dos oitenta anos. Entretanto, como trabalhou a vida toda em serviço pesado, ostenta saúde e aparência invejáveis. Para não dizer que ainda é um sujeito bonito, vamos falar que é simpático, alegre, brincalhão. De velho mesmo, só a mania de gostar de uma conversa fiada.
Como passo com frequência por um prédio em construção, onde trabalha como vigilante, temos tido longas conversas, todas fiadas.
Alderico gosta de dar uma de galo, contar vantagem. Assim, fiquei sabendo que: 1 - ele já construiu vários barracões anexos à sua casa para aluguel; 2 - além da aposentadoria, recebe um salário razoável como vigilante; 3 - os filhos, casados, só o procuram em busca de ajuda financeira; 4 - tem dois carros: um Gol e um Fusquinha; 5 - a mulher só quer saber de trabalhar, tomando conta de crianças; 6 -  a veia (redutivo de ‘velha’ – tenho que explicar, por causa da tal reforma ortográfica) não quer nada de sexo.
Assim sendo, quando Alderico vai pro lado dela, reclama:
- Tenha vergonha na cara, homem veio (redutivo de “velho”). Se quer alguma coisa, vai procurar na rua.
Aconteceu de uma vizinha, mãe solteira e muito bem apanhada, olhar pra ele com olhos melosos. Alderico não pensou duas vezes: lançou-se ao ataque e, logo, começou a fazer gols, 3 a 4 por semana.
- Um ótimo índice de aproveitamento! – falei, certa vez, tentando transparecer inveja.
Alderico dá aquela risada grande, cheio de autossatisfação.
As saídas para um motel de bairro vizinho aconteciam no Fusquinha. O banco de passageiro era tirado para que a moça, Aparecida, pudesse ficar agachada, evitando o risco de ser reconhecida. Talvez, quem sabe, suponho, foi baseado nessa situação que os produtores da Disney criaram o título de filme “Se Meu Fusca Falasse”.
Tudo ia bem, mas já estava cansando, você sabe, precisava voltar ao normal. E, assim, as saídas pro motel foram raleando, de três para duas, de duas para uma, de semana/sim para semana/não, de semana/não para outra também/não; uma ajuda daqui/outra dali; um dinheirinho pra cá/outro pra lá; Alderico satisfeito e Aparecida aparecendo ainda mais satisfeita – com o dinheirinho que passou a cair na sua mão (e ela tendo que dar quase nada).
Alderico achava ainda que tinha estoque pra contar vantagem, mas eu sabia que tudo não passava de conversa fiada. Como bem diz a anedota: homem velho, quando arruma mulher nova, no máximo está comprando jornal pra outros lerem.
Mas chegou o dia fatal. A esposa de um colega de Alderico achou que este estava influenciando o marido para abandoná-la. Acabou dando com a língua nos dentes: contou pra velha do Alderico toda a história das saídas de Fusquinha.
Foi um rebu lá na vila, com sopapos se espalhando para todos os lados. A torcida toda querendo ver o circo pegar fogo. Tudo teria piores consequências se Alderico, a certa altura, não tivesse dado uma de galo do terreiro, segurado a mulher com sua fúria assassina. Aparecida estava com o corpo cheio de arranhões e hematomas. Depois de tudo, desapareceu a Aparecida.
Nos últimos dias, parece, a poeira assentou de vez, voltando a ser como antes no quartel de Abrantes.
- Quer dizer que, agora, você dependurou de vez a chuteira! – falei, mais como provocação.
- É – respondeu Alderico, com um sorriso frouxo.
Dias depois, falou, certamente para despistar aquela ideia de dependurar a chuteira:
- Minha mulher, agora, toda vez que eu chamo, ela vem. – E dá um sorriso largo, dando a entender que isso acontece muito.
- Que bom, hein! – falo, tentando demonstrar admiração. – Como bem diz o ditado, há males que vêm para bem. – E completo, para deixa-lo sem graça: - Se com a reserva dava para fazer tantos gols, imagino como deve ser com a titular!
Etelvaldo Vieira de Melo

ESQUERDA OU DIREITA

O canhoto faz tudo com a mão esquerda, mais até do que eu consigo  usando a direita... 
Ivani Cunha







A MOÇA DA JANELA, O MOÇO DA CALÇADA E O CEGO DO PRESÍDIO

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Imagem: viggiando.com.br
O MOÇO    Ele era alto, moreno e esguio. Vestia um sobretudo cinza. Na sua cabeça, um chapéu panamá. Seu nome era Clementino, Clementino da Silva. No 5º Departamento de Polícia, onde trabalhava, também era conhecido pela sigla CS. Era tido e havido como “homem bala”, que não era de “acochambrar” – expressões comuns entre os policiais.
Naquela tarde de frio cortante, com o vento arrancando folhas das árvores da rua por onde passava, ia ele em direção ao bar do Tampinha, onde fazia ponto, ora buscando informações, ora colocando em ordem os muitos dados de quebra-cabeças a resolver.
Quando “papirava” um caso, tinha o cacoete de ficar alisando um suposto bigode. Também cultivava outras manias, como a de ter um pombal na cobertura do prédio onde morava. Era um columbófilo. Quando ia ao bar do Tampinha, costumava levar um dos 25 pombos de sua coleção, cada qual identificado com nome próprio. O que estava com ele naquele dia se chamava Fabrício, homenagem a um ex-jogador de meio de campo de seu time preferido.
Caminhava CS pela calçada e levando Fabrício ao ombro, quando a avistou na janela. Seu relógio de pulso marcava exatamente 16horas e 47minutos. No muro do portão da casa havia uma placa com o número 258.
A MOÇA  Ela era morena. O que mais chamava a atenção no seu rosto oval eram os olhos, grandes e negros. Suas sobrancelhas também eram acentuadas; tinha os cabelos castanhos e curtos. O conjunto ficava harmonioso e enigmático.
Poderia se chamar Carolina, por causa de seus olhos grandes e tristes. Parecia com aquela menina da música, aquela que “guardava a dor de todo esse mundo”, ela que tinha também o costume de ficar à janela de casa.
Nesse dia, quando avistou CS, uma vertigem percorreu seu corpo. Uma lágrima teimou em escorrer pelo rosto, quando o moço a cumprimentou, levantando discretamente o chapéu.  Já o olhar do pombo Fabrício parecia ser mais de censura.
O BAR DO TAMPINHA   O bar ficava logo à frente. Quando CS passou pela porta vaivém, um relógio, colocado na parede junto a uma mesa de sinuca, marcou sombriamente cinco badaladas.
CS cumprimentou Tampinha, que estava atrás de balcão comprido, enxugando copos.
Tampinha era um homem alto e corpulento. Estava sempre de avental; também tinha o costume de andar com um lápis dependurado na orelha. Certa vez, CS quis saber o motivo do apelido fora de propósito, mas Tampinha não soube explicar. Duas garçonetes, que estavam próximas, deram um sorriso de deboche, enquanto mastigavam chicletes.
- Bahhh... – falou uma delas. – Vai lá você querer saber.
CS, como de hábito, foi até uma mesa que ficava num canto e ajeitou uma cadeira, de modo a ficar de frente para a porta. Enquanto Tampinha despejava cerveja em seu copo, deu uma rápida olhada nas manchetes de um jornal deixado sobre a mesa: “Neblina provoca acidentes e engavetamentos no trânsito” era uma delas.
- Parabéns - falou Tampinha. – Fiquei sabendo que resolveu o mistério dos Irmãos Gêmeos.
- Não foi difícil – falou CS.
- De que se trata? – intrometeu-se uma daquelas garçonetes, mascando seu chiclete.
- Resumindo, a história é a seguinte: houve um homicídio com testemunha. Só que, na hora da identificação, a testemunha não soube confirmar quem foi, pois o suspeito, na verdade, tinha um irmão gêmeo idêntico.
- Puxa vida! – exclamou a garçonete, enquanto mastigava, desesperada, o chiclete. – Como solucionou o caso?
- Prendi os gêmeos. Ao cabo de um mês, vi que um deles havia engordado 15 quilos, enquanto que o outro permanecia com o mesmo peso. Resultado: mandei soltar o gordo e indiciei o outro.
- Mas por quê? – perguntou a do chiclete, quase o engolindo.
- Um deles, o magro, tinha estado preso por seis meses, por causa de um furto. Foi liberado pouco dias antes do homicídio em questão. Pelo prontuário e pelas fotos, vi que aparentava as mesmas características e o mesmo peso. Como demonstrou que não tem tendência a engordar, deduzi ser ele o autor do delito.
Enquanto CS falava, Fabrício desceu até a mesa e começou a bicar farelos e restos de comida deixados sobre o forro. Em certo momento demonstrou muita irritação com o jornal que ali estava. Só se acalmou quando conseguiu arrancar um pedaço, justamente aquele onde aparecia a manchete “Neblina...”.
CS tirou o pedaço de papel do bico do pássaro. No verso da manchete estava escrito a lápis: “Carol/258”. O cacoete de alisar um suposto bigode veio de maneira intensa; enquanto isso, pegou no bolso do sobretudo uma caneta e uma tirinha de papel. Depois de escrever uma mensagem, ajeitou-a entre a anilha e a pata do pombo. Disse:
- Voa ligeiro até lá, onde você sabe, Fabrício, levando esta mensagem.
Em seguida, abriu a porta de vaivém do bar e soltou o pássaro. No papel que Fabrício levava estava escrito: “Eu sei!”.
O CEGO   Voltando para a mesa, CS ainda demonstrava seu tique-tique nervoso, o de ficar alisando seu suposto bigode. Sabendo o que aquilo significava, perguntou Tampinha:
- Algum outro caso policial?
- Fui ao presídio esta semana e certo guarda me propôs um desafio, me deixando numa “cruzeta”.
Tampinha riu da gíria policial usada pelo amigo. Quis saber detalhes.
- O guarda contou que estava entediado e resolveu, um belo dia, fazer um desafio para três detentos de uma cela, coincidentemente um cego, um caolho e um que enxergava normalmente.
O desafio era o seguinte: de um jogo de 3 bonés brancos e 2 vermelhos, escolheria aleatoriamente 3 para colocar: um na cabeça do cego, um na cabeça do caolho e um na cabeça do que enxergava normal. Nenhum dos presos poderia olhar para seu boné, mas poderia ver os que estavam nas cabeças dos colegas, evidentemente com exceção do cego, que não veria coisa alguma. Com base no que enxergasse nas cabeças dos outros, cada um teria que dizer a cor do próprio boné, se branco ou vermelho. O desafio era: caso acertasse a resposta, o preso ganharia liberdade; se errasse, teria prisão perpétua.
Depois de colocar o boné na cabeça de cada um dos detentos, o guarda perguntou ao que enxergava normalmente se seria capaz de dizer a cor do seu boné. Ele se declarou incapaz de dizer a resposta. O mesmo aconteceu com o caolho:
- Não, infelizmente, não sei dizer a cor de meu boné.
- Bem; sendo assim, acabou a brincadeira.
- Como assim? – repreendeu o cego. – Não vai querer saber a minha resposta?
- Pois não, falou o guarda, rindo. – Qual a cor de seu boné?
- Bom – falou o cego, sorrindo por sua vez. – Não preciso enxergar. Baseado no que meus colegas disseram, vejo claramente que meu boné só pode ser da cor...
Nesse momento da narrativa, ouviu-se um barulho de asas junto à porta do bar.
- É o Fabrício chegando com a resposta da minha mensagem – falou CS, enquanto alisava nervosamente seu imaginário bigode.


Etelvaldo Vieira de Melo

DO BEM QUE SEMPRE DURA E É PRESENTE

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Imagem: valiteratura.blogspot.com.br
Posso escrever os versos mais tristes nesta noite.
Escrever, por exemplo: “Gosto quando te calas porque estás ausente”;
depois  morrer de gozo
(desconsideradas as pausas que não deram certo).
Sucede q nunca sou felicíssima com tais seios, as unhas,
e a dor me faz gritar, diante de tanta desgraça.
Porém, por gosto das amorosas restantes prendas,
resolvo  contemplar o arco do mundo, do portal
e da sobrancelha.
Oh, que doce bolo é o q se chama graça:
quem sem ela passa é só fogaça
(ficam-lhe os vales a  seus pés rendidos).
Se nos pélagos fracassos, anjo da sombra,
o  teu valor se abala,
vença-te  o nojo algum cantor da Arcádia
sobre as nuvens, na cima recrescida.
Uma alma igual à tua, tão singela e rude,
não  posso negar, meu coração abrasa.
É que a velha ternura  brasileira,
apesar dos maus seios ou das unhas...

...Muito me estou sofrida nos últimos dias,
bêbada  de nossa  ternura brasileira!
Graça Rios

VIDA DE ARTISTA

Ivani Cunha

EM NOME DA GATA


Certas pérolas de sabedoria correm o risco de ficar perdidas no tempo porque suas palavras já não têm mais sentido ou se tornaram incompreensíveis para os comuns dos mortais.
Um exemplo do que afirmo é a famosa frase de Saint-Exupéry no seu “O Pequeno Príncipe”. Dizia ele: “É o cuidado que você dedicou à sua rosa que a faz tão especial”. Sim, eu sei que você tem dificuldade em entender tal citação, justamente porque não sabe o significado de... rosa ou, pelo menos, não entende o motivo de tanta consideração com uma flor vulgar e em via de extinção.
Explico. Já foi o tempo em que a rosa era a rainha das flores, sendo amplamente usada para expressar beleza, carinho, amor. Em datas comemorativas, como os dias das Mães e dos Namorados, as floriculturas mal davam conta de atender à procura de tal flor.
O tempo passou e a rosa foi sendo ultrapassada por outras plantas. Atualmente, a orquídea, com suas várias espécies, ocupa o topo da parada de sucesso. Logo, estará sendo desbancada por outra aventureira.
Como estou aqui para, entre outras atribuições, resgatar o sentido de citações que caíram no domínio público, vou tentar explicar, usando de uma analogia, o sentido daquela expressão cunhada pelo nobre escritor.
Minha filha, muito afetuosa, resolveu adotar umas gatinhas ainda filhotes: a Raquel e a Ruth. Raquel, desde cedo, mostrou um caráter arredio, independente, de pouca conversa. Já Ruth sempre foi muito meiga, querendo colo e roçando o rabo nas pernas dos moradores da casa, um apartamento – na verdade. Ela era tão carinhosa que logo descobriu um jeito de abrir a porta do quarto de minha filha, estando ela fechada com trinco, para se aninhar lá na cama. Enquanto Ruth buscava carinho, Raquel ficava no parapeito da janela da sala, quem sabe pensando em fugir.
Como tanta diferença de comportamento, sabe você quem ficou sendo mais valorizada? Sim, a Raquel, que quase não liga para as atenções. Quando se digna dar um miado como reconhecimento, aquilo é recebido com festa.
Como são as coisas, nem um pouco justas! Todo mundo conhece a parábola do Filho Pródigo, narrada por Jesus no Evangelho. Você não acha sacanagem o tal filho receber reconhecimento, depois de aprontar todas, enquanto que o outro, que sempre foi bonzinho, é deixado de lado?
Saint-Exupéry explica: tudo que é tratado com atenção e cuidado se torna mais valorizado. E, assim, quanto maior cuidado, maior o valor. Num exemplo, veja o que acontece com filhos problemáticos: por darem muito trabalho aos pais, recebem mais atenção, cuidado… amor.
Ao fim e ao cabo destas fugazes considerações, fica o lembrete para aquele rapaz que dá seus primeiros passos na vida amorosa: - faça-se difícil, venda-se caro; não seja vulgar ao ponto de qualquer moça ficar passando a mão em você; lembre-se sempre da gatinha Raquel e sua receita de sucesso.
PS: Revendo o texto para autorizar sua publicação, minha filha, Júlia, enviou este comentário:
- Pai, li o texto. Gostei muito! Mas eu gosto das duas gatinhas por igual.
- Mesmo gostando das duas por igual, a Ruth leva desvantagem, já que se esforça mais para se fazer amada, enquanto Raquel fica na dela... – foi o que respondi.
Pouco depois, recebo uma nova mensagem. Minha filha mandava a cópia de um texto intitulado “7 coisas que você não sabia sobre os gatos!”. O sexto item dizia:
6 – Os gatos te acordam de manhã para checar se quem os alimenta está vivo.
- Eu bem achando que a Ruth abria a porta de manhã para ganhar carinho! – falou Júlia.
E eu:
- Vixi! Tenho que corrigir o texto, dando mais crédito para Raquel. Pelo menos, ela é sincera, não age com fingimento.
    Etelvaldo Vieira de Melo