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Depois de aguardar
por mais de quinze minutos para atravessar uma rua, tamanhos os fluxos e os refluxos
de carros, eis que dou de cara com o Alderico.
Alderico ou Alberico,
estou em dúvida, é um senhor que gasta mais de duas águas pra cozinhar, já que
está quase chegando na casa dos oitenta anos. Entretanto, como trabalhou a vida
toda em serviço pesado, ostenta saúde e aparência invejáveis. Para não dizer
que ainda é um sujeito bonito, vamos falar que é simpático, alegre, brincalhão.
De velho mesmo, só a mania de gostar de uma conversa fiada.
Como passo com
frequência por um prédio em construção, onde trabalha como vigilante, temos
tido longas conversas, todas fiadas.
Alderico gosta de dar
uma de galo, contar vantagem. Assim, fiquei sabendo que: 1 - ele já construiu
vários barracões anexos à sua casa para aluguel; 2 - além da aposentadoria,
recebe um salário razoável como vigilante; 3 - os filhos, casados, só o
procuram em busca de ajuda financeira; 4 - tem dois carros: um Gol e um
Fusquinha; 5 - a mulher só quer saber de trabalhar, tomando conta de crianças;
6 - a veia (redutivo de ‘velha’ – tenho
que explicar, por causa da tal reforma ortográfica) não quer nada de sexo.
Assim sendo, quando
Alderico vai pro lado dela, reclama:
- Tenha vergonha na
cara, homem veio (redutivo de “velho”). Se quer alguma coisa, vai procurar na
rua.
Aconteceu de uma
vizinha, mãe solteira e muito bem apanhada, olhar pra ele com olhos melosos.
Alderico não pensou duas vezes: lançou-se ao ataque e, logo, começou a fazer
gols, 3 a 4 por semana.
- Um ótimo índice de
aproveitamento! – falei, certa vez, tentando transparecer inveja.
Alderico dá aquela
risada grande, cheio de autossatisfação.
As saídas para um
motel de bairro vizinho aconteciam no Fusquinha. O banco de passageiro era
tirado para que a moça, Aparecida, pudesse ficar agachada, evitando o risco de
ser reconhecida. Talvez, quem sabe, suponho, foi baseado nessa situação que os
produtores da Disney criaram o título de filme “Se Meu Fusca Falasse”.
Tudo ia bem, mas já
estava cansando, você sabe, precisava voltar ao normal. E, assim, as saídas pro
motel foram raleando, de três para duas, de duas para uma, de semana/sim para semana/não,
de semana/não para outra também/não; uma ajuda daqui/outra dali; um dinheirinho
pra cá/outro pra lá; Alderico satisfeito e Aparecida aparecendo ainda mais
satisfeita – com o dinheirinho que passou a cair na sua mão (e ela tendo que
dar quase nada).
Alderico achava ainda
que tinha estoque pra contar vantagem, mas eu sabia que tudo não passava de
conversa fiada. Como bem diz a anedota: homem velho, quando arruma mulher nova,
no máximo está comprando jornal pra outros lerem.
Mas chegou o dia
fatal. A esposa de um colega de Alderico achou que este estava influenciando o
marido para abandoná-la. Acabou dando com a língua nos dentes: contou pra velha
do Alderico toda a história das saídas de Fusquinha.
Foi um rebu lá na
vila, com sopapos se espalhando para todos os lados. A torcida toda querendo
ver o circo pegar fogo. Tudo teria piores consequências se Alderico, a certa
altura, não tivesse dado uma de galo do terreiro, segurado a mulher com sua
fúria assassina. Aparecida estava com o corpo cheio de arranhões e hematomas.
Depois de tudo, desapareceu a Aparecida.
Nos últimos dias,
parece, a poeira assentou de vez, voltando a ser como antes no quartel de
Abrantes.
- Quer dizer que,
agora, você dependurou de vez a chuteira! – falei, mais como provocação.
- É – respondeu
Alderico, com um sorriso frouxo.
Dias depois, falou,
certamente para despistar aquela ideia de dependurar a chuteira:
- Minha mulher,
agora, toda vez que eu chamo, ela vem. – E dá um sorriso largo, dando a
entender que isso acontece muito.
- Que bom, hein! –
falo, tentando demonstrar admiração. – Como bem diz o ditado, há males que vêm
para bem. – E completo, para deixa-lo sem graça: - Se com a reserva dava para
fazer tantos gols, imagino como deve ser com a titular!
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
grande Etelvaldo e seus textos!
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