Certas
pérolas de sabedoria correm o risco de ficar perdidas no tempo porque suas
palavras já não têm mais sentido ou se tornaram incompreensíveis para os comuns
dos mortais.
Um
exemplo do que afirmo é a famosa frase de Saint-Exupéry no seu “O Pequeno
Príncipe”. Dizia ele: “É o cuidado que você dedicou à sua rosa que a faz tão
especial”. Sim, eu sei que você tem dificuldade em entender tal citação,
justamente porque não sabe o significado de... rosa ou, pelo menos, não entende
o motivo de tanta consideração com uma flor vulgar e em via de extinção.
Explico.
Já foi o tempo em que a rosa era a rainha das flores, sendo amplamente usada
para expressar beleza, carinho, amor. Em datas comemorativas, como os dias das
Mães e dos Namorados, as floriculturas mal davam conta de atender à procura de
tal flor.
O
tempo passou e a rosa foi sendo ultrapassada por outras plantas. Atualmente, a
orquídea, com suas várias espécies, ocupa o topo da parada de sucesso. Logo,
estará sendo desbancada por outra aventureira.
Como
estou aqui para, entre outras atribuições, resgatar o sentido de citações que
caíram no domínio público, vou tentar explicar, usando de uma analogia, o
sentido daquela expressão cunhada pelo nobre escritor.
Minha
filha, muito afetuosa, resolveu adotar umas gatinhas ainda filhotes: a Raquel e
a Ruth. Raquel, desde cedo, mostrou um caráter arredio, independente, de pouca
conversa. Já Ruth sempre foi muito meiga, querendo colo e roçando o rabo nas
pernas dos moradores da casa, um apartamento – na verdade. Ela era tão
carinhosa que logo descobriu um jeito de abrir a porta do quarto de minha
filha, estando ela fechada com trinco, para se aninhar lá na cama. Enquanto
Ruth buscava carinho, Raquel ficava no parapeito da janela da sala, quem sabe
pensando em fugir.
Como
tanta diferença de comportamento, sabe você quem ficou sendo mais valorizada?
Sim, a Raquel, que quase não liga para as atenções. Quando se digna dar um
miado como reconhecimento, aquilo é recebido com festa.
Como
são as coisas, nem um pouco justas! Todo mundo conhece a parábola do Filho
Pródigo, narrada por Jesus no Evangelho. Você não acha sacanagem o tal filho
receber reconhecimento, depois de aprontar todas, enquanto que o outro, que
sempre foi bonzinho, é deixado de lado?
Saint-Exupéry
explica: tudo que é tratado com atenção e cuidado se torna mais valorizado. E,
assim, quanto maior cuidado, maior o valor. Num exemplo, veja o que acontece
com filhos problemáticos: por darem muito trabalho aos pais, recebem mais
atenção, cuidado… amor.
Ao
fim e ao cabo destas fugazes considerações, fica o lembrete para aquele rapaz
que dá seus primeiros passos na vida amorosa: - faça-se difícil, venda-se caro;
não seja vulgar ao ponto de qualquer moça ficar passando a mão em você; lembre-se
sempre da gatinha Raquel e sua receita de sucesso.
PS:
Revendo o texto para autorizar sua publicação, minha filha, Júlia, enviou este
comentário:
-
Pai, li o texto. Gostei muito! Mas eu gosto das duas gatinhas por igual.
-
Mesmo gostando das duas por igual, a Ruth leva desvantagem, já que se esforça
mais para se fazer amada, enquanto Raquel fica na dela... – foi o que respondi.
Pouco
depois, recebo uma nova mensagem. Minha filha mandava a cópia de um texto
intitulado “7 coisas que você não sabia sobre os
gatos!”.
O sexto item dizia:
6 – Os gatos te
acordam de manhã para checar se quem os alimenta está vivo.
- Eu bem achando que a Ruth abria a porta de manhã
para ganhar carinho! – falou Júlia.
E eu:
- Vixi! Tenho que corrigir o texto, dando mais
crédito para Raquel. Pelo menos, ela é sincera, não age com fingimento.
Etelvaldo Vieira de Melo
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