A MOÇA DA JANELA, O MOÇO DA CALÇADA E O CEGO DO PRESÍDIO

Resultado de imagem para imagens de ruas desertas
Imagem: viggiando.com.br
O MOÇO    Ele era alto, moreno e esguio. Vestia um sobretudo cinza. Na sua cabeça, um chapéu panamá. Seu nome era Clementino, Clementino da Silva. No 5º Departamento de Polícia, onde trabalhava, também era conhecido pela sigla CS. Era tido e havido como “homem bala”, que não era de “acochambrar” – expressões comuns entre os policiais.
Naquela tarde de frio cortante, com o vento arrancando folhas das árvores da rua por onde passava, ia ele em direção ao bar do Tampinha, onde fazia ponto, ora buscando informações, ora colocando em ordem os muitos dados de quebra-cabeças a resolver.
Quando “papirava” um caso, tinha o cacoete de ficar alisando um suposto bigode. Também cultivava outras manias, como a de ter um pombal na cobertura do prédio onde morava. Era um columbófilo. Quando ia ao bar do Tampinha, costumava levar um dos 25 pombos de sua coleção, cada qual identificado com nome próprio. O que estava com ele naquele dia se chamava Fabrício, homenagem a um ex-jogador de meio de campo de seu time preferido.
Caminhava CS pela calçada e levando Fabrício ao ombro, quando a avistou na janela. Seu relógio de pulso marcava exatamente 16horas e 47minutos. No muro do portão da casa havia uma placa com o número 258.
A MOÇA  Ela era morena. O que mais chamava a atenção no seu rosto oval eram os olhos, grandes e negros. Suas sobrancelhas também eram acentuadas; tinha os cabelos castanhos e curtos. O conjunto ficava harmonioso e enigmático.
Poderia se chamar Carolina, por causa de seus olhos grandes e tristes. Parecia com aquela menina da música, aquela que “guardava a dor de todo esse mundo”, ela que tinha também o costume de ficar à janela de casa.
Nesse dia, quando avistou CS, uma vertigem percorreu seu corpo. Uma lágrima teimou em escorrer pelo rosto, quando o moço a cumprimentou, levantando discretamente o chapéu.  Já o olhar do pombo Fabrício parecia ser mais de censura.
O BAR DO TAMPINHA   O bar ficava logo à frente. Quando CS passou pela porta vaivém, um relógio, colocado na parede junto a uma mesa de sinuca, marcou sombriamente cinco badaladas.
CS cumprimentou Tampinha, que estava atrás de balcão comprido, enxugando copos.
Tampinha era um homem alto e corpulento. Estava sempre de avental; também tinha o costume de andar com um lápis dependurado na orelha. Certa vez, CS quis saber o motivo do apelido fora de propósito, mas Tampinha não soube explicar. Duas garçonetes, que estavam próximas, deram um sorriso de deboche, enquanto mastigavam chicletes.
- Bahhh... – falou uma delas. – Vai lá você querer saber.
CS, como de hábito, foi até uma mesa que ficava num canto e ajeitou uma cadeira, de modo a ficar de frente para a porta. Enquanto Tampinha despejava cerveja em seu copo, deu uma rápida olhada nas manchetes de um jornal deixado sobre a mesa: “Neblina provoca acidentes e engavetamentos no trânsito” era uma delas.
- Parabéns - falou Tampinha. – Fiquei sabendo que resolveu o mistério dos Irmãos Gêmeos.
- Não foi difícil – falou CS.
- De que se trata? – intrometeu-se uma daquelas garçonetes, mascando seu chiclete.
- Resumindo, a história é a seguinte: houve um homicídio com testemunha. Só que, na hora da identificação, a testemunha não soube confirmar quem foi, pois o suspeito, na verdade, tinha um irmão gêmeo idêntico.
- Puxa vida! – exclamou a garçonete, enquanto mastigava, desesperada, o chiclete. – Como solucionou o caso?
- Prendi os gêmeos. Ao cabo de um mês, vi que um deles havia engordado 15 quilos, enquanto que o outro permanecia com o mesmo peso. Resultado: mandei soltar o gordo e indiciei o outro.
- Mas por quê? – perguntou a do chiclete, quase o engolindo.
- Um deles, o magro, tinha estado preso por seis meses, por causa de um furto. Foi liberado pouco dias antes do homicídio em questão. Pelo prontuário e pelas fotos, vi que aparentava as mesmas características e o mesmo peso. Como demonstrou que não tem tendência a engordar, deduzi ser ele o autor do delito.
Enquanto CS falava, Fabrício desceu até a mesa e começou a bicar farelos e restos de comida deixados sobre o forro. Em certo momento demonstrou muita irritação com o jornal que ali estava. Só se acalmou quando conseguiu arrancar um pedaço, justamente aquele onde aparecia a manchete “Neblina...”.
CS tirou o pedaço de papel do bico do pássaro. No verso da manchete estava escrito a lápis: “Carol/258”. O cacoete de alisar um suposto bigode veio de maneira intensa; enquanto isso, pegou no bolso do sobretudo uma caneta e uma tirinha de papel. Depois de escrever uma mensagem, ajeitou-a entre a anilha e a pata do pombo. Disse:
- Voa ligeiro até lá, onde você sabe, Fabrício, levando esta mensagem.
Em seguida, abriu a porta de vaivém do bar e soltou o pássaro. No papel que Fabrício levava estava escrito: “Eu sei!”.
O CEGO   Voltando para a mesa, CS ainda demonstrava seu tique-tique nervoso, o de ficar alisando seu suposto bigode. Sabendo o que aquilo significava, perguntou Tampinha:
- Algum outro caso policial?
- Fui ao presídio esta semana e certo guarda me propôs um desafio, me deixando numa “cruzeta”.
Tampinha riu da gíria policial usada pelo amigo. Quis saber detalhes.
- O guarda contou que estava entediado e resolveu, um belo dia, fazer um desafio para três detentos de uma cela, coincidentemente um cego, um caolho e um que enxergava normalmente.
O desafio era o seguinte: de um jogo de 3 bonés brancos e 2 vermelhos, escolheria aleatoriamente 3 para colocar: um na cabeça do cego, um na cabeça do caolho e um na cabeça do que enxergava normal. Nenhum dos presos poderia olhar para seu boné, mas poderia ver os que estavam nas cabeças dos colegas, evidentemente com exceção do cego, que não veria coisa alguma. Com base no que enxergasse nas cabeças dos outros, cada um teria que dizer a cor do próprio boné, se branco ou vermelho. O desafio era: caso acertasse a resposta, o preso ganharia liberdade; se errasse, teria prisão perpétua.
Depois de colocar o boné na cabeça de cada um dos detentos, o guarda perguntou ao que enxergava normalmente se seria capaz de dizer a cor do seu boné. Ele se declarou incapaz de dizer a resposta. O mesmo aconteceu com o caolho:
- Não, infelizmente, não sei dizer a cor de meu boné.
- Bem; sendo assim, acabou a brincadeira.
- Como assim? – repreendeu o cego. – Não vai querer saber a minha resposta?
- Pois não, falou o guarda, rindo. – Qual a cor de seu boné?
- Bom – falou o cego, sorrindo por sua vez. – Não preciso enxergar. Baseado no que meus colegas disseram, vejo claramente que meu boné só pode ser da cor...
Nesse momento da narrativa, ouviu-se um barulho de asas junto à porta do bar.
- É o Fabrício chegando com a resposta da minha mensagem – falou CS, enquanto alisava nervosamente seu imaginário bigode.


Etelvaldo Vieira de Melo

0 comentários:

Postar um comentário