A CHINA, EU E O CAMINHÃO DO “OLHA O OVO!”

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Imagem: motarumnegocio.com
Dizem as más línguas que os sentimentos de amor e de ódio são bem próximos, basta um escorregão numa casquinha de banana para a gente passar de um para o outro.
Meus sentimentos com relação à China já levaram muitos escorregões, passando por vários estágios.
O primeiro deles foi de medo, quando existia o comunismo e ele era tido como coisa do capeta. Quando via imagens da Praça Vermelha e da figura de Mao Tsé-Tung, meu corpo era tomado de tremedeira.
Depois, foi de indiferença meu sentimento, quando me dei conta de que a China está do outro lado do mundo, e eu tinha que cuidar das preocupações e dos afazeres próximos.
Há pouco tempo, por causa de seu boom industrial e da invasão de seus produtos, passei a cultivar um sentimento de admiração. Junto, tive o reconhecimento de que ela estava socializando os bens de consumo, quebrando as barreiras entre ricos e pobres. Foi quando incorporei um termo ao meu vocabulário, “dicotomia”. Você podia me ouvir dizendo, então: “- A China está quebrando a dicotomia entre ricos e pobres no nosso país!” – e olhava para as pessoas, buscando reconhecimento pelas belas palavras, enquanto ostentava boné, camiseta, tênis, relógio – tudo de marca, falsificado.
Foi um período em que mergulhei fundo na pesquisa e na aquisição de tais bens. Em minha cidade, a prefeitura, com o intuito de tirar os camelôs das ruas, propiciou a criação de vários shoppings populares. Por esse tempo, qualquer pessoa que conversava comigo queria saber, em tom de gozação, se já tinha ido por aqueles dias num daqueles shoppings (e eu ia muito a esses shoppings; cheguei até a fazer amizade com um china, o Hangai). Parecia que meu mundo girava em torno disso: comprar bugigangas importadas da China, especialmente eletrônicos.
O tempo passou, e meu inconsciente chamou a atenção do consciente para o perigo que o estado natal corria: a extração de minério de ferro, para ser exportado para a China, estava tornando o terreno uma casquinha de ovo. Se acontecesse por aqui um abalo sísmico, todos seríamos soterrados. Fiquei revoltado.
O sentimento de revolta levou ao ódio, especialmente quando o país se viu mergulhado numa crise econômica. Hoje, procuro valorizar aquilo que é “made in Brazil”, com crises de alergia e urticária para o que é “made in China”.
Bom, como até o capitalismo é cíclico, nossos sentimentos também não deixam de ser, ou seja, um novo amor para com a China pode brotar dos escombros de meu ódio.
Só que estou achando um pouco difícil, depois que fiquei sabendo da história do ovo.
O golpe que aconteceu no Brasil em 2016 fez o favor de provocar desemprego e penúria na população mais simples. Se comer carne já era difícil, com os novos tempos, tornou-se proibitivo. No entanto, o consumo de proteína ficou garantido com a disseminação do ovo de galinha.
No meu bairro, todos os dias é frequente rodar um caminhão, onde alguém, através de um serviço de alto-falante, esbraveja:
- Olha o ovo, minha gente! Ovos fresquinhos, direto da granja! Pode se aproximar, meu senhor, minha senhora. Trinta ovos por dez reais, só dez reeeais. Olha o ooovo!
E a patuleia desandou a comer ovo: no café da manhã, no almoço, no jantar, na mesa e na sobremesa.
Só que, agora, está chegando ao nosso conhecimento o boato de que podemos estar consumindo.... ovos de plástico, produzidos na China! Pode até que isso seja Fake News, mas estou tomado pela dúvida. Pelo sim, pelo não, quero ir até o homem do caminhão e exigir a presença de pelo menos uma galinha. Ela vai ter de confessar de viva-voz que os ovos saíram mesmo de seu fiofó e dos fiofós de outras galináceas. Como já dizia Guimarães Rosa, mineiro não sabe de nada, mas desconfia de quase tudo.
PS: usei o termo “fiofó” porque o usual, “c*”, ficou politicamente incorreto. Que o diga nossa amiga Márcia Tiburi, ameaçada de perder uma eleição por causa de mísero monossílabo.
Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Fátima Fonseca disse...

Parabéns cronista! belo texto! sempre para refletir.
Estou com GRosa: "Sou mineira, não sei de nada mas desconfio de quase tudo."

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