BOAS LEMBRANÇAS, NÃO FOSSE O GUARDA-CHUVA

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Imagem: escolasnarede.seec.m.gov.br

Belderagas Piruegas, vira e mexe, está se lembrando de seus tempos de infância. Tudo era regado e regrado a muita pobreza e dificuldade. Mas nem por isso aquele tempo é tido na conta de ruim, muito pelo contrário. Como se esquecer, por exemplo, daquela cama cujo colchão era enchido com palhas de milho? Na hora de arrumá-la, sua mãe tinha o cuidado de espalhar bem as palhas, de modo que o colchão ficava todo estufado. Não tinha coisa melhor. Belderagas, mais conhecido pelo apelido de Biriba, se jogava ali em cima, afundando no meio das palhas. Sua mãe vinha, então, cobri-lo com cobertores (?), que chegavam a cinco em épocas de frio. Nesses tempos, Biriba mal conseguia virar o corpo em meio das cobertas.
Está certo, aquele colchão tinha um inconveniente: o de juntar muita pulga. Mas nada que uma borrifada de inseticida, Neocid, não desse jeito.
Junto com o colchão, havia muitas outras pequenas alegrias: os jogos de “finco”, de “queimada”, de “cinuquinha”, de “tampão”, de “bolinha de gude”; as brincadeiras de fazer barquinhos para jogar na enxurrada, de “casinha” (com as primas) e de “circo”; as pescarias e as armações de “arapucas” para pegar tico-tico e tizil.
Para uma criança, que vive hoje confinada frente a um aparelho de TV, ou de videogame, ou de computador, fica até difícil entender tal variedade de brinquedos. Eles não só eram variados, como exercitavam a imaginação. Assim, como num passe de mágica, um sabugo de milho se transformava num potente fenemê e uma folha de cafezal se tornava um dinheiro, para comprar um copo de suco de faz de conta numa lanchonete de brincadeira.
Quando tomado por essas lembranças, Belderagas Piruegas, que há muito deixou o apelido de Biriba para trás, sente que seus dias de infância eram coloridos, apesar da pobreza em que vivia.
Se você lhe perguntar, a bem da verdade, se não havia nada que o aborrecesse, ele dirá que havia, sim, uma coisa que o aborrecia, deveras.
Quando saía à tarde para ir até a praça da cidade, duas recomendações eram feitas pela mãe:
- Biriba, não se esqueça da blusa e do guarda-chuva.
O tempo podia estar ameno e o céu coberto de estrelas.
- Mas, mãe, não vai chover!
- Pode chover, meu filho, e pode esfriar.
O que Belderagas tinha era aversão, vergonha do guarda-chuva, verdadeira peça de museu, mais remendado que as lonas dos circos que passavam pela cidade.
Normalmente, obedecia à mãe, saindo de blusa e carregando debaixo do braço um monstrengo que não tinha como passar despercebido. O resultado de tudo é que raramente chovia. Quando inventava de contrariar os conselhos maternos, aí chovia torrencialmente. Ao voltar para casa, todo molhado, ainda tinha que ouvir a reprimenda:
- Não disse, Biriba, que ia chover?
Até hoje Belderagas carrega esse trauma de infância. Quando sai de casa, parece ouvir sua mãe falando no seu subconsciente: “- Não se esqueça do guarda-chuva!”. Assim, esteja um sol de “rebentar mamona”, ou um céu entulhado de estrelas, lá está ele carregando o cujo, o guarda-chuva.
O amigo Fridolino Xexeo contemporiza:
- Um homem prevenido vale por dez!
Mas o que Belderagas quer mesmo é superar seu trauma. Para isso, está pensando em recorrer aos serviços profissionais de sua sobrinha, a terapeuta Dri (*). Através de um processo de regressão, poderá se encontrar com sua mãe. Além do abraço cheio de saudades, irá lhe pedir para suspender a obrigatoriedade do guarda-chuva. Aproveitando a viagem, quer ver se dá tempo de disputar um torneio de bolinha de gude com o Toninho da Biba, além de brincar um pouco de casinha com a prima Dedé, a Desolina Fufucas.
Belderagas vai para essa aventura de regressão cheio de entusiasmo. No fundo, seu projeto tem pouco a ver com o trauma do guarda-chuva. O que ele quer saber é em que parte do caminho deixou a admiração, o encantamento e a simplicidade, valores que perdeu no tempo e que andam fazendo muita, muita falta em sua vida.
(*) Quem quiser conhecer um pouco do trabalho da Dri, poderá visitá-la no site www.vinculosdeafeto.com.br. Lá ela trata especialmente do tema “família e adoção”, apresentando notícias e orientações para aqueles que querem adotar ou que já adotaram, assim como para todos os que se interessam por esse apaixonante tema.

Etelvaldo Vieira de Melo
















4 comentários:

Adriana disse...

Belderagas demonstra o desejo de viver o presente com tanto encantamento e simplicidade, assim como hoje enxerga que viveu no passado..

Que bom seu entusiasmo rumo ao cuidado consigo próprio. Devido a terapeuta ser sua sobrinha, provavelmente Belderagas receberá a indicação de ser atendido por outro terapeuta. Mas, sem dúvida, Dri ficou muito feliz com a demonstração da confiança no trabalho dela..

Anônimo disse...

Oh quantas lembranças de minha infância!!! Brincadeiras maravilhosas!!!! Pega-pega, pique-esconde e amarelinha. Eu era a melhor no finco. Kkkkkkkkkk. Tive tudo isso, inclusive as pulgas no colchão de palha.������������������
Voltei no tempo sem precisar de regressão. Rsrsrs.

Anônimo disse...

Ah, sou Márcia Costa. A das pulgas no colchão. Kkkkkkkkkkk

Fátima Fonseca disse...

Ah, amei! Saudades de quando tínhamos um pé de dinheiro no quintal. Abraço!

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