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Vai
Anatalino Reguete passar o Natal no sítio de uma das irmãs de sua esposa,
Dozolina Tazinasso. Já é uma tradição, antes bancada pelos mais velhos e agora
assumida pelas filhas e noras.
O
entusiasmo com o evento é quase generalizado, especialmente por parte de casais
que têm crianças novas em casa. Os preparativos começam com dois meses de
antecedência, em grupo de rede social, onde tudo é planejado de maneira
meticulosa.
Dozolina não é fã de Natal: sua experiência
está carregada de fatos traumáticos, muitos deles proporcionados pelo irmão
mais velho. Na noite de Natal, ela e suas irmãs tinham o costume de colocar
calçados nas janelas dos quartos. No dia seguinte, bem cedo, iam verificar os
“presentes”. Ingenuamente, Dozolina abria uma caixa e lá de dentro saltava um
sapo; um embrulho pesado era um tijolo; outro embrulho de presente, amarrado
com fita, escondia um cocô de vaca. O irmão ria às “bandeiras despregadas”,
enquanto a futura esposa de Anatalino, ainda menina, ia ficando cada vez mais
traumatizada. Hoje, ela sonha com o dia em que não haverá mais celebração desse
tipo de Natal.
Da
parte de Anatalino, o sentimento é menos radical: olha com simpatia tudo o que
acontece, mesmo porque na sua casa não havia Natal assim. Seus pais eram muito
pobres, o máximo de presente possível era uma sacolinha de papel com algumas
balas, castanhas e nozes. No dia seguinte, ele e seus irmãos tinham que tolerar
as crianças vizinhas, que iam cedo para a rua exibir bicicletas, velocípedes,
carros, bonecas, casinhas de brinquedo. Já naquele tempo, onde o capitalismo
não era tão selvagem, exibir era melhor do que ter.
Na
noite deste Natal, alguns parentes pedem para Anatalino colocar a fantasia de
Papai Noel. Ele recusa delicadamente, mesmo porque se considera um péssimo
ator, não estando à altura das expectativas das crianças.
Quando
alguém resolve assumir o papel, a atenção de todos é desviada para um ponto em
frente à casa. Com lanternas, o escuro é vasculhado. Alguém pergunta: “- Será
que Papai Noel está aqui?”. Enquanto isso, “Papai Noel” ajunta os presentes no
fundo do quintal (da casa, para bem dizer, não da banda de pagode). Quando tudo
fica pronto, as crianças são encaminhadas para o local, a tempo de ver o “Papai
Noel” saindo correndo.
Muitos
meninos demonstram admiração e espanto, enquanto outros mostram ar de
ceticismo.
Olhando
tudo aquilo, Anatalino pensa:
- Não
entendo por que as crianças vão abandonando a lenda de Papai Noel. Acho isso
uma bobagem sem tamanho. Se esse bom velhinho tivesse feito parte de minha
infância e sido meu amigo, iria querer que me visitasse todos os anos até o fim
de meus dias.
PS1:
Em tempo: o irmão mais velho de Dozolina não participou dessa celebração. Se
ali estivesse, Anatalino jura que seria capaz de lhe preparar um embrulho de
presente, onde estariam cocô de vaca, cavalo, lagartixa e galinha, com direito
a cobertura de bostinha de cabrito. Assim, ele iria ver o que “é bom pra
tosse”, com a amada Dozolina encontrando um antídoto para seu trauma infantil.
PS2: Este
texto está aqui mais como um pretexto, pretexto para lhe desejar, amável
Leiturino, um Feliz Natal. Que ele, Natal, possa renovar em seu coração um
mundo de esperanças: de saúde, amor, paz e muitas alegrias, agora nas
celebrações e no ano novo que se aproxima.
Etelvaldo Vieira de Melo
2 comentários:
É uma pena que Dozolina e as irmãs tenham passado por isso. Tivemos experiências tristes no Natal. Falavam que se colocássemos uma meia na janela e fôssemos boazinhas, teria o presente que queríamos dentro da meia; tive o desgosto de descobrir naquele dia que Papai Noel não existia. Em contar que no primeiro momento pensei que eu tinha sido ma5 em algum momento. Não sabia que o Papai Noel era na verdade ass condições financeiras de cada pai ou mãe. Foi triste, mas superei.
Amei o texto.
Márcia Costa
Ah, gostei dos nomes dos personagens.
Obrigada Etevaldo!
Q 2019 os leiturinos sejam presenteados c muitas crônicas. Abraço.
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