Os atores Marcos Nanini e Marieta Severo são tidos por seus colegas de
profissão como pessoas extremamente generosas. Traduzindo o que entendo por
isso: eles são cuidadosos com atores menos experientes, dando-lhes apoio e
incentivo, sempre usam de palavras amigas mesmo quando fazem uma crítica.
Vivemos em um mundo tão hostil que chegamos a considerar que a
felicidade do outro pode nos tirar pedaço. Daí, não desejarmos a felicidade de
ninguém, especialmente daqueles que estão próximos da gente. O sucesso de um
conhecido chega a nos provocar náuseas.
Assim, estamos lançando olhares de mau agouro para as pessoas próximas,
torcendo por seu insucesso.
Sei que esse comportamento doentio é um efeito colateral do sistema capitalista.
Ele, o Capitalismo, prega: nossa felicidade (ou seja, a posse de bens) depende
também da infelicidade do outro (que não pode ter os bens que temos).
Outro aspecto relevante a ser considerado na composição do caráter do
homem moderno, e que se constitui o reverso dessa medalha de busca da
felicidade: trata-se de alguém carente de afeto e que, por isso mesmo, está
sempre buscando uma afirmação.
Essa carência de afeto, via de regra, acaba se tornando algo doentio,
um mal crônico, porque tal indivíduo raramente vai encontrar pessoas generosas
que lhe dê a mão (vale enfatizar, o capitalismo é como a filosofia
existencialista, onde o outro é o inimigo a ser derrotado e que, no mínimo,
quer nos roubar o ar que tem que ser nosso). É nesse contexto que figuras como
Marcos Nanini e Marieta Severo aparecem como honrosas exceções.
Se o outro me nega afeto, o que faço? Em vez de lhe dar afeto para
torná-lo melhor, respondo na mesma moeda, buscando me afirmar, mostrando que
não sou um qualquer, mas alguém cheio de competências e de posses.
É então que as pessoas se afastam de vez umas das outras e o diálogo
morre, deixa de existir (dialogar é interagir, é troca de favores, ajuda
mútua).
Você, arguto Leiturino, pode perguntar:
- Mas hoje não vivemos a era da comunicação e da interação através dos
smartphones e das redes sociais?
Ledo engano, respondo. Se houvesse comunicação e interação entre as
pessoas, o mundo estaria bem melhor do que está, sem essa onda de intolerância
e de ódio a que assistimos atônitos, a se espalhar nas redes sociais. Exemplos
mais recentes: australiano comete ataques em duas mesquitas na Nova Zelândia,
que deixam 49 mortos e 58 feridos; aqui entre nós, em Suzano, dois ex-alunos
invadem uma escola e matam 5 estudantes e 2 funcionários, antes de cometerem
suicídio. (Alguém já observou que ZAP é o contrário de PAZ.)
Seguindo essa temática, devo ainda dizer que, perto de casa, na avenida
principal do bairro, mora uma pessoa que, de terça a sábado, estando o tempo de
acordo, invariavelmente fica sentado num banco em frente à sua casa (na segunda,
ele reserva seu tempo para serviços internos e externos). Ele já é de certa
idade e, sendo diabético, teve que amputar os dedos dos pés. Daí, anda com
certa dificuldade.
Ter alguém disponível, com quem você pode “jogar conversa fora”, é bom
demais, não é mesmo? Mesmo que seja para falar mal da vida dos outros. Ariano
Suassuna diz que está aí um dos grandes prazeres da vida, esse de falar mal dos
outros. Mas entenda: falar mal sem maldade, só para “desopilar o fígado”,
amortizar um pouco sentimentos de inveja e de frustração. Enfim, algo inócuo.
Pois bem, esse vizinho (que estava me esquecendo de apresentar:
Adelbrando) sempre tem alguém sentado perto dele, quase sendo preciso marcar
com antecedência um horário para um bate-papo. Às vezes, passo pelo outro lado
da avenida e o cumprimento. Ele responde, demonstrando satisfação. Muitas
vezes, sou eu quem senta a seu lado para longas conversas.
Quando desando a falar mal de alguém, Adelbrando me olha com
condescendência, não comenta nada, mas sinto que ele entende que estou fazendo
aquilo não por maldade, mas por pobreza de caráter, pelo prazer de fofocar sem
maiores consequências.
Se não bastassem tamanhas qualidades, esse vizinho amigo tem mais uma:
quando quero desfazer de algo, vendendo por um preço módico, é ele quem faz a
intermediação, já que conhece quase todo mundo. Assim, já consegui me desfazer
de um tablet e de um aparelho celular. Por esses dias vou procurá-lo, para ver
se sabe de alguém que queira adquirir quatro portas completas (novas) e mais
uma pia de cozinha por R$1.000,00. Como brinde, estou oferecendo um vaso
sanitário. Vou falar para o Adelbrando que ele pode repassar tudo por
R$1.200,00, ficando com R$200,00 como comissão, caso queira – o que duvido,
sendo ele uma pessoa muito correta.
(Como o negócio não foi efetivado, caso tenha algum interesse,
Leiturino, pode se comunicar comigo. Estou aberto a negociações.) (Às vezes,
escrevo coisas, mas depois fico morrendo de medo de ser levado a sério. Outras vezes,
escrevo coisas, mas depois fico morrendo de medo de não ser levado a sério.)
Ao desfecho deste texto, faço referência a J.D. Vital, que, dia 19 de
março, faz aniversário. Vital é uma pessoa extraordinária, que tem uma história
de vida belíssima, é um amigo e tem um grande coração, sendo extremamente
generoso.
Semanas atrás, numa das postagens do blog, reclamei das condições
desfavoráveis que enfrentava na Internet. Recorri, então, à famosa compaixão de
Dalai Lama para lançar a “Corrente da Generosidade, do Afeto e do Sucesso”.
Usei o exemplo de uma modelo que exibia seu corpão e recebia em troca 18
milhões de seguidores (enquanto eu tenho um público em torno de 130 pessoas por
semana). Observei:
- Se eu for exibir meu corpão
sarado no blog, aí é que ele vai afundar de vez.
A reportagem mereceu alguns comentários. Vital me enviou um, dizendo
assim, veja se pode:
- Um striptease seu seria uma recompensa que atrairia mais leitores que
as promessas do dalai-lama. Eu juro!
Todas essas lembranças de Marcos Nanini, Marieta Severo, Adelbrando e
Vital nos mostram que ainda existem pessoas empenhadas em espalhar tolerância,
empatia e generosidade. Em vez de prestar atenção nos intolerantes, naqueles
que só se preocupam em agredir, atirar pedras, precisamos olhar para esses outros
jardineiros, dar-lhes as mãos para que, juntos, espalhemos sementes de bondade e
que irão colorir, embelezar a vida, transformando esse mundo em algo realmente
humano para nós e nossos filhos.
Etelvaldo Vieira de Melo