EU TIVE UM REVÓLVER (2)

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Terá razão o leitor ou leitora que estranhar o título deste artigo, o qual pressupõe a existência de outro texto. Mas vai perder tempo, caso decida procurar pelo original “Eu tive um revólver”. Fiz uma crônica com este título para o extinto Diário de Belo Horizonte, no fim dos anos 90, e duvido que alguém tenha exemplares dessa publicação editada por uma empresa constituída pelo jornal Balcão.
Um solícito funcionário do arquivo do Balcão pediu tempo para fazer a pesquisa e alguns minutos depois informou que não havia no setor exemplar nenhum do DBH. Acho que a experiência desse jornal foi tão amarga para os empresários que eles decidiram apagá-la da memória. A publicação teve existência curta – menos de um ano –, apesar de o projeto ser muito bom, destinado à cobertura dos fatos dentro da capital, valorizando sobretudo os temas gerais, educação, saúde, comportamento, mais economia e política abordadas de forma que até os leitores das camadas menos cultas pudessem entender.
A redação do Diário de Belo Horizonte era constituída por alguns veteranos jornalistas com passagem por outras publicações, rádio, TV, assessorias de comunicação ou agências de publicidade. Esse grupo, formado em sua maioria por grisalhos sonhadores, chefiava editorias nas quais predominavam jornalistas recém-formados, dispostos a mostrar serviço e sempre atentos à avaliação de seus trabalhos. Não havia espaço no jornal para o volume de matérias que os repórteres ofereciam no fim da tarde, e logo o DBH começou a dar alguns furos nos outros jornais da capital ou apresentar os assuntos por ângulos diferentes.
Parecia que o projeto ia dar certo, mas não deu por deficiência na captação de publicidade. Todos sabiam que a empresa não continuaria bancando por muito tempo os salários e os demais custos da produção do jornal, embora contasse com o trunfo da oficina própria.
Um pequeno grupo concordou em continuar trabalhando no DBH, em troca de recebimento ocasional de parte do salário até o dia em que a publicação foi suspensa. Depois os atrasados foram acertados por acordo ou na justiça. Contei essa história triste de mais um jornal que nasceu e morreu quase sem deixar vestígios porque me lembrei da crônica “Eu tive um revólver”. Ela foi publicada na fase terminal da publicação. Falava de uma arma que eu comprei para proteger minha casa, construída em meados da década de 70, numa rua deserta, sem asfalto e sem água encanada, do bairro Planalto. Uma noite, um marginal escondeu-se no matagal do lote vizinho e de lá atirou uma pedra na janela da sala para conferir se havia alguém na casa. Desistiu de seus planos porque as luzes foram acesas, mas é provável que ocorreria o pior se ele descobrisse que havia uma pessoa sozinha lá dentro. Por isso, comprei o revólver, um Rossi, calibre 22. Pequeno, mas pesado. Escolhi para o documento de posse da arma uma foto em que aparecia com o olhar sombrio e o bigode com as pontas retorcidas para baixo. Não era preciso dizer que eu estava disposto a reagir a qualquer tentativa de invasão da casa.
Felizmente, não foi preciso usar o revólver e eu me convenci de que seria perigoso manter aquela arma dentro de casa. Qualquer cidadão que nunca deu um tiro deve desconfiar de que suas chances diante de um marginal armado são mínimas. E sempre há o risco de uma criança descobrir o revólver no guarda-roupa.
Um policial gostou do revólver e o levou por preço justo. Escrevi sobre o alívio que senti ao vender a arma e para me redimir da péssima ideia de comprá-la.
Apoio a campanha de desarmamento da população, embora trema só de pensar que agora mesmo algum marginal esteja comprando uma arma muito mais poderosa que as utilizadas pelos nossos policiais. Eu queria escrever apenas sobre isso, mas acabei falando sobre um jornal que não existe mais e só ficou na memória de algumas pessoas. Para os ex-proprietários, a lembrança de um fiasco, por que só deu prejuízo. É claro que eles não consideram o papel que esse jornal teve na formação de tantos jovens jornalistas e na alegria dos velhos profissionais, como eu, que tiveram a oportunidade de se renovarem com essa convivência.
Ivani Cunha

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