Na década de 60 do século XX, um estudioso da comunicação chamado Herbert
Marshall McLuhan disse que o mundo iria se transformar numa imensa aldeia
global. O que ele não disse é que o Brasil seria o quintal dessa aldeia (com
direito a goiabeiras, mangueiras e abacaxizeiros), onde todo tipo de roupa suja
seria lavada.
Dos inventos tecnológicos, nada tem sido tão impactante no
comportamento das pessoas quanto um aparelhozinho de nome smartphone. O danado,
além de servir ao propósito originário, o de telefonar, também serve para troca
de mensagens digitadas, áudios, vídeos e notícias.
Não sei se por deformidade de seu caráter (especialmente por causa dos
elementos negro e indígena, como quer nosso vice-presidente), não sei se por
ter sido alimentado durante anos por reality shows do tipo Big Brother, o certo
é que o brasileiro se tornou um apaixonado por fofocas, mesmo quando é seu
alvo. Seu Álvaro, um vizinho, é exemplo de como o tal do smartphone virou um
vício. Sua mulher acaba de requerer divórcio, já que ele não se interessava
mais nem pelos elementares deveres de ofício: quando ia para a cama, ficava
horas e horas teclando o aparelho celular, enquanto a mulher ficava
tamborilando os dedos de raiva, jogada ás traças.
Como quase ninguém conhece o seu Álvaro, tirando os Adonirans da vida,
sou compelido a buscar outros exemplos para mostrar como o smartphone é
viciante e perigoso. Os exemplos me chegam através dele mesmo, eu que o uso com
parcimônia, pouco mais de duas horas por dia.
Um. Existem aqueles que sabem explorar o potencial desse aparelho, como
é o caso de um apresentador e dono de emissora de TV. Todo dia fico sabendo de
notícias suas, de seus programas, de sua emissora, de suas filhas e de seus
genros. Quando, por exemplo, os temas das filhas estão em baixa, ele vai pros
Estados Unidos, faz mais algumas plásticas e pinta o cabelo. Pronto, arranjou
assunto para mais algumas semanas nas redes sociais e de notícias.
Dois. Confesso que ando meio desligado do mundo musical. No entanto,
estou muito bem informado sobre um cantor que atende por “Bonito” (ou algo
assim) e de sua companheira, tida como modelo fitness. Não tem dia em que não
aparecem nos sites de notícias e de fofocas. A última que fiquei sabendo dá
conta que planejam para breve o lançamento de uma biografia “não autorizada”
(???) do cantor. Quem escreve a biografia é um amigo, com anuência do casal. Enquanto
a sensacional biografia não vem, a modelo desfila pelas redes sociais “dando
abaixadinha em short e é flagrada sem calcinha”. Tudo em nome da arte.
Três. Tem uma apresentadora de TV, bonita como ela só, segundo
expressão mineira: um trem de mulher, que resolveu, aos 38 anos de idade,
engravidar e ter um segundo filho. O que deveria ser assunto particular, para
ser discutido entre ela e o marido, caiu nas redes sociais. E sabe o que fiquei
sabendo? Que o dito marido falou que teria que tomar Viagra para dar conta de
sua parte! Como isso pode? Não estou entendendo mais nada.
Quatro. Uma atriz, filha de outra atriz famosa, é figura carimbada nas
redes sociais. Sempre está buscando aparecer. Assim como aquele dono de
emissora de TV, ela também vive dando repaginadas no visual: uma lanternagem
aqui, outra ali, uma troca da suspensão e das calotas, e assim vai. E ela se
achando, certamente esperando comentários do tipo “Que gostosa!”. Mas isso nem
sempre acontece, porque os internautas sabem ser cruéis. Na última vez em que
ela apareceu, alguns disseram: “- Está bem gordinha, hein!”. – Isto bastou para
ela revidar: “- Não estou comendo em sua casa”.
Cinco. A família presidencial é amante das redes sociais. O próprio
presidente se elegeu presidente graças a elas (o que, por si, mostra como são
perigosas). Frequentemente podemos vê-lo e ouvi-lo através de postagens no
Twitter. Numa delas, prestando homenagem a um funkeiro que havia se suicidado.
O tal funkeiro era casado e mantinha relação extraconjugal com outra mulher.
Quando esta revelou que estava grávida, ele a agrediu (segundo sua própria
gravação). Poucas horas depois, cometeu suicídio. A mulher foi internada e teve
que passar por cirurgia. Através de sua conta no Twitter, o presidente
prestou-lhe homenagem, dizendo entre outras coisas: “Ele tinha o sonho de mudar
o país e apostou em meu nome por meio de seu grande talento”. Tal compositor
havia feito vários jingles para a campanha do presidente. Fui ver o que esses
jingles diziam. Um deles fala assim: “Dou
para a CUT pão com mortadela e para as feministas ração na tigela. A minas de
direita são as ‘top’ mais bela enquanto as de esquerda tem mais pelo que
cadela”.
Parodiando Ariano Suassuna, se isso
é sinal de “grande talento”, não sei o que dizer de um Beethoven.
Notícias como as mostradas acima nos chegavam às mãos quando íamos aos
consultórios médicos de antigamente. Esperando a consulta, ficávamos lendo
revistas de fofocas e engabelando o tempo. Tais notícias nos chegam agora
através das redes sociais e estão contaminando as mentes das pessoas, colocando
ali um tanto de bobagem. E assim estamos hoje nesse nosso Brasil varonil:
cercados de bobagens, arrotando bobagens, levando a sério bobagens, brigando
por bobagens, perdendo tempo por bobagens, expondo intimidades nas redes
sociais, as lavanderias de nossas bobagens. Tanta bobagem não passa impune: as
pessoas hoje estão se sentindo desagradáveis, inseguras, com baixa autoestima, com
ânsia de partir para o ataque e bater em alguém. Não está na hora de dar um
basta em tudo isso? Jaron Lanier, no seu livro “Dez Argumentos Para Você
Deletar Agora Suas Redes Sociais”, diz: “Não
deixe o seu caráter se degradar. Ele é a coisa mais preciosa em você”.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Parece até ficção! Mas è realidade.
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