UMA LIÇÃO


Resultado de imagem para imagens de lição
Imagem: facebook
A notícia da morte do ex-presidente do Peru Alan Garcia me deixou chateado por uma série de razões.
A primeira delas, vamos dizer assim, é de natureza etimológica ou gramatical. Os jornais do dia 17 de abril de 2019 noticiaram que Garcia havia “se suicidado”. Ora, eu não dava conta que o verbo suicidar flexionava assim com esse “se”. Pensava que quem suicida está naturalmente se matando, não pode estar suicidando outra pessoa. Eu acreditava que dizer “se suicidou” é estar praticando um pleonasmo, tipo “entrar para dentro” ou “subir para cima”. Para mim não faz sentido esse “se”.
Mas isso não vem ao caso, como haveria de dizer um ex-juiz, atualmente ministro empenhado em armar a população e baratear o preço dos cigarros. Quanto ao fato, não faz sentido a morte de Garcia em si. Suicidar-se em defesa da honra é coisa de japonês, nunca de latino-americano. Causou espanto o ex-presidente dar um tiro na própria cabeça.
Alan Garcia tinha 69 anos de idade. Ele era um dos quatro ex-chefes de Estado do Peru investigados sob a acusação de terem recebido suborno da construtora brasileira Odebrecht. Governou seu país como um nacionalista de 1985 a 1990; de 2006 a 2011 ganhou um novo mandato, onde se reinventou como um defensor do livre mercado. A acusação que pesava no seu ombro foi a de ter recebido US100 mil da construtora brasileira.
Alan Garcia deixou uma carta-testamento onde garante: - “Não houve nem haverá contas nem propinas”.
Disse mais: - “A história tem mais valor que qualquer riqueza material”.
Essas suas palavras mostram como ele está num nível diferente dos demais políticos, notadamente dos brasileiros. Um senador de nome Major Olímpio (PSL, SP) – aquele mesmo que apresentou a brilhante sugestão de que professores e funcionários das escolas fossem trabalhar armados - queria que o gesto de Alan Garcia fosse copiado pelos políticos daqui (“Tomara que essa moda pegue no Brasil”). Isso não é possível, pois vergonha, hombridade, honradez e senso de história são atributos que não fazem parte do caráter dos políticos tupiniquins. Se políticos tidos e havidos como corruptos dessem fim às próprias vidas, teríamos uma carnificina geral, sobrando poucos, muitos poucos dos íntegros e honestos.
Alan Garcia disse mais em sua carta: - “Deixo o meu corpo como uma amostra do meu desprezo aos meus adversários”. E arrematou: - “Neste tempo de boatos e ódios repetidos, que as maiorias acreditam serem verdadeiros, vi como são errados os procedimentos para humilhar e não para encontrar verdades”.
Dói ler essas palavras e ver como o ambiente político é corrompido e podre. Dói perceber como delações desonestas podem ser injustas e levar até à morte (talvez o caso de Garcia; certamente o caso de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina).
Muito podemos aprender com Alan Garcia e sua dramática história: o amor à verdade, sentimentos de vergonha e honradez, o cuidado com acusações levianas e baseadas em prêmios. Para o Major Olímpio podemos dizer: nossos políticos não precisam dar tiros em suas próprias cabeças; o que eles precisam é aprender o sentimento de vergonha na cara, isso sim.
Para mim, tem mais: o fato ocorrido no Peru mostra que essa construtora Odebrecht tem que sumir, desaparecer, ser riscada do mapa. Antes, ele precisa recontar toda a corrupção que praticou no Brasil, revelando os nomes daqueles que, por interesses sórdidos, ficaram encobertos.
Além de Alan Garcia, a investigação sobre suborno da Odebrecht no Peru envolve outros três ex-presidentes, entre ele Pedro Pablo Kuczynski (mais conhecido como PPK), acusado de ter recebido quase cinco milhões de dólares de suborno (Garcia se suicidou por causa de 100 mil), enquanto era ministro de Alejandro Toledo (2011-2016). PPK havia renunciado em 2018, quando sofria uma ameaça de impeachment.
A lembrança de PPK vem a propósito de sua entrevista para uma revista brasileira, em fins de 2016. No início, ele quis saber sobre o combate à corrupção no Brasil, perguntando se estavam “limpando tudo”. Quando questionado sobre a disparidade entre ricos e pobres, disse: “A ideia de que o comércio causou miséria e desigualdade é falsa, mas o que importa na política é a percepção. Uma pessoa pode ir a uma favela e do outro lado do muro ver uma mansão de bilhões de dólares na qual o dono tem uma Ferrari. Isso é ruim. Para evitar esse tipo de coisa, as altas classes deveriam dedicar-se um pouco mais ao serviço público, e não a fazer alarde de sua prosperidade”.
O que PPK demonstra: ele não é contra a desigualdade social, mas ela precisa ser maquiada para não dar tanto na vista. No seu modo de entender, talvez com muros mais altos a tal da percepção possa ser ainda melhor. Estando agora preso, talvez ele se dê conta de que nada é mais acertado que o ditado “não há como um dia após o outro”. Como bem diz o ditado, o Peixe Político Korrupto morre é pela boca do bolso.
Etelvaldo Vieira de Melo

0 comentários:

Postar um comentário