SORRIDENTE, AINDA QUE SEM DENTE

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Sete Leiturinos me enviaram mensagens, querendo saber os detalhes da perda de dente do Eleutério, de como tudo ocorreu. Prestativo, nosso amigo me repassou os informes, que transcrevo a seguir.
O velho Protágoras já dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Aparentemente, a frase parece se referir ao homem em geral, esse ser abstrato – em última análise.
Na verdade, ela diz respeito ao ser individual, particular: eu, você, seres únicos e indivisíveis.
Se sou a medida de todas as coisas, as coisas, as pessoas e o mundo ao meu redor só fazem sentido quando estou interagindo com eles; quando perdem minha referência, deixam de existir, ficam sem sentido.
Estou falando essas coisas porque me ocorreu uma situação aparentemente banal, mas divertida, e que envolve alguém de nome Protásio, o que me trouxe a lembrança do outro, o Protágoras. Tal situação pode parecer ridícula para alguns, mas devo dizer que perdi há muito o senso do ridículo. Desde que cruzei o “Cabo das Tormentas”, e que os desavisados chamam de “Melhor Idade”, minha filosofia de vida passou a ser: rir de tudo, principalmente de mim mesmo. Com isso, vou tocando a vida com leveza e bom humor.
Mas vamos ao fato.
Tendo comprado uma TV moderna e grandona, tomado de satisfação e alegria, enquanto assistia a um filme, preparei uma vasilha de granola (devidamente misturada com iogurte) para ser saboreada, enquanto a vista se encantava com imagens “4 k” (“k”: uma referência eletrônica, e não um valor em dinheiro, como emprega certo procurador da Lava Jato para seus proventos de “palestras”).
Diante de uma cena de suspense, tomado de ansiedade, dei uma mordida em algo duro, ao tempo em que algo estalava na minha boca. Enquanto um calafrio percorria meu corpo, pedi à língua para pesquisar o ocorrido. Prestimosa, ela se esmiuçou entre os dentes, sondando daqui e dali, até fazer a descoberta fatal: um dente, depois fiquei sabendo que era o 23, estava com a estrutura abalada, ameaçando desabar.
Assim que meu cérebro decodificou o ocorrido, uma série de reações psicossomáticas se desencadeou: ansiedade, medo, pavor, sudorese, taquicardia, mais a sensação de que o-mundo-estava-desabando-sobre-minha-cabeça.
Além de tudo isso, pensei:
- E eu que não sou nenhum deputado e pastor Marco Feliciano, que não   disponho de uma verba pública de 157 mil para tratar desse dente!
Olhei quase com ódio para a TV, peguei a vasilha de granola e despejei na pia da cozinha.
Indo para a cama, tentei conciliar o sono que, afinal, veio aos trambolhões, com pesadelos onde eu me via, ora em cadeira de dentista (que, rindo sadicamente, me apontava um boticão de meio metro de comprimento), ora estando rindo eu mesmo para pessoas conhecidas, com a boca com seis dentes intercalados, sendo três na parte superior da boca e três na inferior.
No dia seguinte, fui, como se diz, “correr atrás do prejuízo”. E foi aí que apareceu o Protásio, cirurgião implantodontista, que cuidou de colocar na minha boca um dente provisório, enquanto o definitivo ia ser moldado. Quando voltei para casa, recebi a recomendação de evitar pão, granolas, piruás e afins. Podia tomar um sorvete, que ajudaria na cicatrização.
Os dias subsequentes passaram bem, até que, em pleno sábado, dei uma mordida desencontrada e o dente provisório se soltou. Por pouco, quase o engoli.
Pensei comigo: - Fazer o quê? Até segunda-feira, é tolerar a falta, evitando olhar no espelho e, ocasionalmente, recorrendo a uma máscara, caso tenha que sair de casa.
Quem me viu banguela foi minha esposa, Percilina Predillecta. E foi ela quem me mostrou que tudo na vida, por mais desagradável e feio que possa parecer, sempre tem algo de bom e de bonito. Quando lhe disse que achava que ela não iria me amar mais, por causa da falha na boca, retrucou:
- Querido Eleutério, meu amor por você independe de seus dentes e de tantas coisas mais – dando a entender que já havia captado a minha essência, que me amava pelo que sou, e não pelo que aparento ser.
Sorri com a mais pura alegria.
P.S. Para o amigo Leiturino, deixo duas recomendações. A primeira vem do Doutor Protásio que, inadvertidamente, deixou escapar que os grandes amigos dos dentistas são os piruás, gelo e granolas. Cuidado com eles. Segunda: Se for o caso, caso queira medir a intensidade do amor de sua companheira, você poderá se sujeitar à perda de um dentinho qualquer. Caso ela, sua companheira, tenha uma reação como a de Percilina Predillecta, quando viu seu marido Eleutério sem o dente 23, também você poderá sorrir com a mais pura alegria.
Que tal a sugestão? Se for o caso, posso lhe repassar o endereço do Dr. Protásio, aquele que faz lembrar o Protágoras, aquele que dizia que “o homem é a medida de todas as coisas; das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”.
Etelvaldo Vieira de Melo

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