Temos
o costume lá em casa, e não sei se tal costume é costume em outras casas, de
conversar com nosso cão. Tive esta rápida conversa com Thor:
-
Uuummm... – falei, tentando me aproximar da linguagem canina. O resmungo quis
dizer: - Olá, Thorzinho, bom dia! Passou bem a noite?
-
Uuummm... – respondeu Thor, esforçando-se ao máximo para uma comunicação mais
próxima.
Geralmente,
os cães fazem comunicação visual. É o que acontece com Thor, que dificilmente
se comunica por latidos (a não ser para as pessoas que chamam ao portão).
-
Tudo bem, e você? – falou com os olhos, enquanto abanava freneticamente o rabo
(sintoma de que estava feliz em me ver).
-
Dormi bem, só acordando umas duas ou três vezes, assustado com meu próprio
ronco – falei, recorrendo da mesma forma à comunicação visual.
-
Você precisa cuidar disso. Se, até aqui de minha casinha, sua ronqueira
incomoda, imagina o que devem sentir Percilina e Deusarina, coitadinhas.
(Para quem não sabe, Percilina Predillecta e Deusarina Rebelada são minhas esposa e filha).
-
Nem te conto, Thorzinho; tem vez que meus braços e costas ficam roxos de
hematomas, tantos os cutucões que levo à noite da Percilina – falei um tanto
quanto magoado. – Teve dia em que até pensei em ir a um posto policial
registrar um BO.
-
Pois cuida de resolver esse embrulho – falou o cachorro, olhando para meus
olhos com olhar intenso. – Procure um otorrinolaringologista.
Surpreendi-me
com a fluidez com que ele pronunciou tal palavrão.
-
É o que vou fazer esta semana. Já fiz a audiometria, a vídeo-endos-copia nasos-sinusal
e a vídeo-faringo-laringos-copia.
Enquanto
tentava desenrolar minha língua, Thor perguntou:
-
Tem os resultados parciais?
-
A audiometria acusou uma leve perda auditiva, coisa que eu já sabia por exames
anteriores. Teve um otorrino que, ao se informar de minha idade, comentou: “Por seus quilômetros rodados, você quer o
quê? Conforme-se: está bom demais do
jeito que está”. Conformar até que me conformo; o problema é as pessoas no
meu entorno aceitarem isso. Estou pensando seriamente em andar com uma placa
com os dizeres: “POR FAVOR, TENHA PACIÊNCIA COMIGO. SOU PORTADOR DE UMA LEVE
PERDA AUDITIVA”.
-
Eu é que estou numa boa – falou Thor, rindo com os olhos. – Além de
escutar muito bem, converso com as pessoas usando de comunicação visual. Além
disso, por causa desse “olhos nos olhos”, liberamos oxitocina, o chamado
hormônio do amor. É por isso que cães e humanos se amam cada vez mais. Por que
você não faz o mesmo?
-
Taí, gostei de sua sugestão. Meu temor é de que as pessoas não entendam assim.
Imagina o que pode acontecer: “- O que
foi, ficou lerdo de vez?”; “- Por que está me encarando? Não gosto de homem,
não. Sai pra lá!”; “- O que você está querendo com esse olhar pidão?”. Sei
lá, definitivamente, não dá pra seguir seu conselho. Os riscos de ser mal
interpretado são muitos.
Minha
conversa com Thor foi interrompida bruscamente. Isso acontece nas vezes em que
não consigo manter os olhos nos olhos e acabo desviando os meus, ou dou uma
piscadela. Nesses momentos de perda de sincronia, o olhar de Thor fica
perguntando: “O que você está querendo? Fiz alguma coisa errada? Em que posso
lhe ajudar?”.
Por
essa e por outras, o cão é o primeiro na lista dos melhores amigos do homem.
Agora,
para você que duvida disso, que julga ser eu uma pessoa exagerada, que tem
parafusos a menos no cérebro por dar tanto valor à espécie canina, faço uma
simples pergunta: - Quando você se dignou ter uma conversa tão afetuosa assim
comigo?
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