CAPÍTULO I - DAS HOMENAGENS À PARTE
Começo minha narrativa cheia de saudade.
Minha atual distração são lembranças da vida. Procuro manter o equilíbrio, ante
os chamados de Socorro Urgente do povo na luta com a Flor do Lácio. Sou uma
vovó escritora, estudante de música, professora
aposentada da Federal.
Confinada no apê, penso vira e mexe
nas vividas vívidas recordações.
Meu irmão Jaime (J’aime Jaime), perdi.
Era um virtuose das violas. Aos três, quatro anos, entrava com ele nos
botequins onde se tocava bandolim, violino, flauta. Ele vivia de tanto rir,
enquanto eu, quase neném, morria e ressuscitava de encantamento musical e
artístico.
J. ria rios de lágrimas, me oferecendo uma colher de
conhaque com mel.
‘É para ficar tonta quando eu tocar. Todo mundo neste bar se embriaga quando eu entro no quadradinho de Fá do cavaco ou canto o próprio Nelson Cavaquinho’.
‘Pelo amor de
Deus, não me olhes assim
Vejo nos teus olhos humilhação
Já sei que não gostas mais de mim.’.
Depois, às 20 horas, Sebastião, que eu sempre chamo de manoTão, Jaimiko e eu entrávamos no Circo de Cavalinhos. Amarravam-me as pernocas de bebê no fundo da canoa, tangiam as grossas cordas de sisal, e íamos ouvir harpa, instrumento dos serafins.
PRELÚDIO PRÉ- REQUISITO PARA ESCRAVIDÃO
.............
David, netinho de quatro anos, quando a
guerra ininterrupta entre doença, vírus, partidos políticos, países ricaços,
findar, subirá faceiro:
-
Óila quem chegou! Tem bigadeilo? Manga? Linga de gato? Bicoto?
Colocará na cama em forma de casinha a
mochila ‘de ficar com vovó’ quando mamãe sai com papai. Beijinho-minuto, pulará
no teclado eletrônico, bom entendedor em clicar botões, e pam, pam, pam. Bam,
bam, bam.
Enfim, farto de ‘tocar’, fuçará tudo no
meu escritório. Papéis, canetinhas, desenhos, livros infantis, romances de cem
páginas, por toda parte. Morou no exterior a partir dos sete meses.
-
Tem água? Yogute?
Aos três, lia fluentemente, contava até
dois mil em Inglês, ensinava-me Geografia, na troca da fralda noturna. Férias
no Brasil.
-
A carrocinha pegou... (eu, cantarolando.).
-
...um mião de cacholos de unha veiz.
- The wagon
picked up...
- ...six thousand dogs at once. Ah, ah, ah!
CAPÍTULO II
Ademais, curso o nível avançado na
Universidade onde lecionei. Lamento:
- Ai! Cavaleira da triste figura, combatendo moinhos
de vento, carroças de prisioneiros.
Arquiteta dos castelos e princesas onde há
hotelarias e prostíbulos.
Amante de Dulcineu!
-
‘Por que lamentar, criatura? Você é uma sortuda.’. - Voz em off do leitor.
-
Sucede, querido leitor, que o coronavirus maldito amarrou as coroOnas em casa. Tenho
aulas online às sextas-feiras às oito e meia da manhã.
-Se....
-
Se fico isolada, confinada, finada, extraparada? Eu, hein?
- Se fico triste? Ah, rapaz, tenho companhia. Converso com as plantas, peixes coloridos, tartarugas, passarinhos. São companheiros alegres, tagarelas, tal qual as estrelas do Olavo Bilac. E eles amavelmente me respondem
Camões po a/e mou:
‘E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.’.
Só mudo. Nado dentro da atual
circunstância. F. Pessoa: ‘Navegar é preciso, viver não é preciso.’
Viver nunca teve precisão. É indeciso e perigoso. Navegar pelo mar afora da
tecnologia é preciso. Não há bússola, mas nos aventuramos, naufragamos, emergimos,
sofremos profundos desafios por necessidade. Luto, substantivo e verbo:
sobrevivência no cala-boca do Calabouço Número 19.
(Continua)
Graça Rios
1 comentários:
Sua doce nau singra os mares enfeitada de flores, velas aos ventos do hoje, do ontem e do por vir. Salve Graciosa! Salve!
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