CONFISSÃO DE UM METAMORFOSE AMBULANTE

 

Não querendo ficar na categoria das pessoas alienadas, Eleutério procura, na medida do possível, se informar sobre as coisas relevantes que ocorrem no Brasil e no mundo.

Sendo as notícias numerosas, ele tenta fazer uma triagem, dedicando mais tempo àquelas que lhe parecem relevantes, enquanto as outras são atualizadas em segundo plano, conhecidas tão somente pelos títulos e manchetes.

Tal procedimento, apesar de correto, não o deixa satisfeito, já que fica sabendo pouco de muitas coisas. “Não seria melhor saber muito de pouco?” – ele sempre se pergunta.

Quando tem de dar opinião sobre determinado tema, nosso amigo carrega um sentimento de desonestidade, como se não tivesse direito de falar o que pensa. Ele pensa também que esse é o preço a pagar por seu enciclopedismo. Se fosse um especialista, cuidando só de determinado tema, tudo seria mais fácil.

Para ilustrar seu desconforto, pede para observarmos a situação que vivemos no momento. As redes sociais estão nos bombardeando com notícias e informações acerca do conflito entre Rússia e Ucrânia. As notícias são disparatadas, enquanto que as análises são contraditórias, atendendo a todo tipo de gosto ou interesse. Para ter uma noção com um mínimo de fundamento sobre o assunto, Eleutério acredita que terá de pesquisar muito, confrontando muitas análises políticas e geoeconômicas, além de ter que estudar História (o que ele faz). Quando chegar a um veredicto há o risco de a   guerra ter chegado ao fim ou então o mundo ter sucumbido a uma hecatombe nuclear.

Não querendo ficar em cima do muro, mas também não abrindo mão de seu senso de honestidade, Eleutério se permite pensar igual a Guimarães Rosa: - Não sei de nada, mas desconfio de muita coisa. Sente pena daquelas pessoas que, sabendo pouco ou mesmo nada, são compelidas, impelidas e coagidas a darem seus pitacos sobre o tema. Como foi o caso da apresentadora de TV Ana Maria Braga, que disse: “A Rússia é um regime comunista, né? Você não pode dizer ‘não’ sem ordem. Tem que dizer ‘sim’ pra tudo”. As pessoas no Brasil que têm alergia ao comunismo devem ter sentido o estômago embrulhando, enquanto um sentimento de ódio subia até a boca. Quando o dito ficou pelo não dito já era tarde e o estrago da desinformação já havia sido plantado. Pouco adiantou ficarem sabendo que a Rússia deixou de ser comunista com o fim da URSS, em 1991.

Por essa e outras, Eleutério pensa que as pessoas só aceitam aquilo que elas querem. Verdade é o que me interessa, e todo o resto é mentira. E pensar que, até poucos dias atrás, os céticos criticavam o dogmatismo dos crentes por encontrarem na religião resposta para tudo...

Hoje, a opinião vem antes dos fatos e, se os fatos contrariam a opinião, mudam-se os fatos. Indo contra a corrente, Eleutério prefere ficar com a ideia de Raul Seixas que, sabiamente, já dizia há dez mil anos atrás: “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

Desorientados diante dos possíveis desdobramentos do conflito entre Rússia, Ucrânia e OTAN, muitos estudiosos querem fazer valer aquela máxima de Voltaire, dita por volta de 1700: “A paz vale ainda mais que a verdade”. Resta combinar com os poderosos, os que mandam no mundo.

Para os mandachuvas, Eleutério deixa este outro recado, agora dito por Charlie Chaplin, em 1940 – quando a 2ª Guerra Mundial estava em efervescência: “A ganância, o ódio e a prepotência envenenaram a alma dos senhores, os senhores que tratam os outros como um gado humano e que os utilizam como carne para canhão! (Lembrem-se:) Mais do que de máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”

Etelvaldo Vieira de Melo


4 comentários:

Anônimo disse...

Esse Eleutério é um craque em suas citações: as de G. Rosa, R. Seixas, Voltaire e Chaplin resumem, com genialidade, nosso espanto e impotência diante da guerra.
Paulo Sérgio

Anônimo disse...

Belo texto! Informativo e reflexivo.
Etevaldo Britto

Anônimo disse...

Muito bom.
Quênia

Unknown disse...

Além do muito bom anteriormente dito tomo aqui a liberdade de um copiar e colar rsrs Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”
Grande abraço Quêna Melo

Postar um comentário