Avercílio da Granja já chegou ao ponto
de concordar com o compositor, quando diz: “Ando devagar e levo este
sorriso, porque já sofri demais”. Em outras palavras, ele se sente mais pra
lá do que pra cá. Uma vez ou outra, esbarra num contratempo, que lhe acarreta
dor ou aborrecimento. No geral, entretanto, ele se sente bem disposto e toca a
vida com bom humor.
Daí
é que brotou uma amizade com o vizinho Olestário da Niquinha, outro que sempre
encontrava motivos pra rir de tudo, principalmente de si mesmo. É de Olestário
aquela máxima que resumia sua opinião diante de qualquer situação:
“É
complicado...”
Ultimamente,
a situação tem andado complicada pro seu lado mesmo, com essa sua tirada
servindo como luva para todos os dissabores que anda experimentando, sejam de
natureza física ou decorrentes de aborrecimentos familiares. Embora já tenha
colocado quatro safenas, o que anda lhe incomodando ultimamente é uma dor nas
escadeiras que não tem ‘otopedista’ (ele fala desse jeito mesmo) que acerte num
diagnóstico e num tratamento. Foi ele quem falou, em relatos passados, que
havia a suspeita de que seu nervo ‘asiático’ estava afetado.
Meses
atrás, sentindo-se incomodado com uma dor de garganta, foi até a farmácia do
bairro e, assim, perguntou pro balconista:
“Por
acaso você tem um comprimido bom para dor na goela?”
O
moço olhou pra ele, assustado, só se dando conta do pedido, quando Olestário
passou a mão pelo pescoço.
Voltando
aos tempos presentes, por não estar se sentindo bem, ele tem evitado encontrar
o amigo Avercílio. Este, assim que foi possível, não deixou passar uma
reclamação:
“Você
precisa melhorar porque, falando de maneira egoísta, eu preciso de você, de sua
amizade e de seu bom humor. Sem eles, fica difícil tocar em frente a vida.”
De
uns dias pra cá, aconteceu de Olestário dar uma aprumada, retomando seu humor
ferino. Encontrando-se com Avercílio, ele falou esta:
“Ouvir
as pessoas falando que pescador é mentiroso me deixa muito aborrecido. O fato
deles exagerarem um pouco, não significa que estejam faltando com a verdade.
Veja você, caro amigo, o que aconteceu entre dois deles. Estavam conversando
sobre a última pescaria que haviam feito.
-
E aí, compadre, pescou bastante? – perguntou um deles.
-
Não, compadre, não sei se foi porque a lua estava minguante, o certo é que só
consegui pescar um peixinho.
-
E qual foi?
-
Foi um pacu, pesando uns 55 quilos.
-
O quêêê...? Você não tá exagerando não, compadre? Um pacu pesa, quando muito
uns cinco quilos.
-
Pois esse estava pra mais de 55. Eu é que não tive a ideia de tirar uma foto
como comprovatório de quem mata a cobra e mostra o pau. Minha máquina estava
estragada. Mas e você, como foi de pescaria?
-
Pescaria de pegar peixe eu não fui bem, não. Mas eu consegui a façanha de
pescar um lampião que meu tataravô havia perdido e meu avô e meu pai não se
cansaram de procurar. Era uma relíquia de estimação e estava em perfeita
condição, inclusive com o pavio aceso.”
Antes
que Olestário desse desfecho ao caso, Avercílio atalhou, dizendo:
“Amigo,
peço desculpas por estar cortando o seu caso, mas é que estou com um problema
sério pra resolver. Tenho que ir até um hospital, fazer uma transfusão de
sangue. Eu estava em casa ainda há pouco, feitorando uma reforma que os
pedreiros estão fazendo lá na área, quando me dei conta de um baita de
pernilongo mordendo o meu pé. Falei pra minha esposa: - Vai, Esleide, mata este
danado, antes que chupe todo meu sangue! Esleide deu um tapa no meu pé e,
imediatamente, uma poça de um litro de sangue se espalhou pelo chão. Daí, a
minha urgência de resolver o caso, já que sinto minha vista turvada.”
“Um litro de sangue?” – perguntou
Olestário, quase sufocando de tanto rir.
“Está bem” – retrucou Avercílio. – “Eu
tiro 999 ml de sangue, deixando só uma gotinha, a troco de você apagar a luz do
lampião e tirar 50 quilos do pacu. Fica bom assim?”
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
😂😂😂😂😂😂
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