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Já faz algum tempo, o Brasil importou dos Estados Unidos um evento
dedicado ao comércio, chamado Black Friday. Aportando às terras tupiniquins,
ele logo recebeu o apelido de Black Fraude.
Sendo assim, na última sexta-feira do mês de novembro aconteceu esse
evento, que está se tornando o dia da grande celebração do consumo. Aqui entre
nós, para não fugir ao figurino brasileiro, em meio a cenas de vandalismo, de
empurra-empurra, com pessoas brigando dentro das lojas, atirando mercadorias
umas nas outras.
Entre as várias notícias que circularam no dia do evento, o que mais
chamou minha atenção foi ficar sabendo que o item mais vendido por uma famosa
rede varejista não foi televisor, nem smartphone, nem a famigerada fritadeira
sem óleo, mas... o papel higiênico.
Como não sou de ficar repassando levianamente fake news, e tendo que ir
pegar um livro numa de suas lojas (naquele esquema de comprar pela Internet e
retirar na loja), pude confirmar ao vivo e a cores a verdade da notícia: seu
depósito estava entupido de rolos de papel higiênico.
Quando comentei tal fato com Cinisvaldo, ele deu boas risadas, enquanto
dizia:
- Mas isso faz todo o sentido.
- Como assim? – quis saber.
- Para você entender bem, meu caro Eleutério, é preciso, vamos dizer
assim, decodificar o que o Brasil vivenciou com as eleições de 2018.
- Lá vem você com política – resmungou Eleutério.
- Calma. É coisa simples de entender.
“Para que as eleições atendessem aos interesses dos poderosos, uma
série de medidas teve que ser tomada, a começar pela ação da Lava Jato,
passando pelas decisões do Congresso e do Judiciário, insuflados pela imprensa
“chapa-branca” e empurrados por uma parcela da população raivosa que, mais
tarde, mostrou toda sua índole fascista.
“Então, para aquilo ter sucesso, foi montada uma estratégia de
marketing, com a população sendo dividida em BOLHAS. Para essas bolhas, foram
forjadas notícias, espalhadas difamações, que estimularam a rivalidade e o
ódio.
“Aquilo, que parecia ser apenas uma estratégia de conquista de poder,
acabou se tornando uma doença, uma deformação: o país deixou de ter uma
identidade, perdendo seu sentido de nação. Ele ficou fragmentado em bolhas.
- É aí que entra a venda do papel higiênico? – quis saber Eleutério.
- Pois é – falou Cinisvaldo, assumindo ares professorais. – Veja você
como se posicionam as diferentes bolhas existentes no país frente a essa
questão:
* Existe uma bolha que sente
ferozmente os reflexos da estagnação econômica, do desemprego, dos aumentos de preços
de itens básicos como combustível, gás de cozinha. Seus membros estão, vamos
assim dizer, “raspando a bunda com as mãos”. O papel higiênico vai ajudá-los a
fazer isso.
* Existe a bolha dos que só se
preocupam consigo mesmo, que não estão nem aí para os infortúnios alheios.
Esses estão, como se diz, “cagando e andando” pros outros. Por exemplo, quando
ficam sabendo do massacre na favela Paraisópolis, dão de ombro e dizem: “Bem
feito! Fodam-se!”. Para eles, o papel higiênico serve muito bem, para limpar
tanta caganeira.
* É preciso levar em
consideração também a bolha daqueles que não compactuam com esse governo que
está aí. Quando o presidente diz que, para se combater o efeito estufa, seria
bom que as pessoas cagassem dia sim, dia não, só de birra, mesmo não tendo o
que cagar, como forma de protesto, fazem força, usam o papel higiênico.
* Existe a bolha do núcleo dos
assessores da presidência, ministros, secretários e tantos mais, que vive
fazendo cagadas. Todo dia, quase toda hora, aparece uma. Para tanta cagada,
haja papel higiênico.
* Existe a bolha composta por
pessoas de outras bolhas. Seus integrantes formam a classe dos bundões ou
cagões (haja papel higiênico pra tanta gente!):
- Os que dizem “amém” aos interesses americanos no país, chegando a
bater continência para sua bandeira;
- Os que tremem de medo dos milicos, aprovando os termos de sua reforma
da previdência, onde, em vez de serem penalizados como todas as outras classes
de trabalhadores, mantiveram e aumentaram seus privilégios;
- Quem, a pretexto de “ouvir a voz das ruas”, atropela a Constituição,
da qual deveria ser guardião;
- Basicamente, a população brasileira como um todo é tida como bundona,
cagona, sendo o país chamado de “república de bananas”.
* Existe, finalmente, a bolha
daqueles que, cada vez mais, se convencem de que o país está mergulhado numa
merda (não é à toa que o guru do governo é um astrólogo que tem fixação pelo
c*, órgão frequentemente associado ao papel higiênico). Preventivamente, numa
atitude que Freud saberia muito bem explicar, também essa bolha se enche de
papel higiênico. Gostou de minha teoria psico-sociológica?
- Gostei – avaliou Eleutério. – Conseguiu explicar o sucesso de vendas
de papel higiênico na Black Fraude. Parabéns, amigo Cinisvaldo: ou você é um
grande analista, ou tem a cabeça cheia de merda.
Etelvaldo Vieira de Melo
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