FEIO, DEMASIADO FEIO

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Imagem: forcaaodia.wordpress.com
Para Júlia Mara, que sabe enxergar com o coração
Minha filha vem me visitar. Assim que me vê, corre para me abraçar enquanto pergunta:
- E aí, papi, tudo bem?
Respondo, com a voz um pouco embargada, em tom de chantagem emocional:
- Ju, estou com um pouco de depressão.
- O que aconteceu? – quer saber, preocupada.
- Estava arrumando o quartinho, aquele que uso como sala de estudo e, você sabe, lá tem um espelho que fica no chão, praticamente escondido. Fazendo a limpeza, tive que ficar olhando muito tempo para ele.
- E daí?
- Daí que observei como sou feio, como estou acabado.
- Que é isso, papi! Você não é feio. Feio é seu irmão.
- Suas palavras não valem, filha, pois você me enxerga com o coração. Para ele, posso até ser bonito, mas para os olhos de qualquer um outro sou bem feio.
E completei:
- Acho que os homens não se preocupam muito com a beleza porque não têm o hábito de se olharem tanto no espelho. Agora entendo porque as mulheres se preocupam com a beleza. É por causa do espelho.
- Papi...
- Dizem que toda pessoa tem um lado bonito. Sendo assim, estou me achando um círculo. Talvez seja por causa de minha feiura que outro dia, ao mandar meu retrato por e-mail, o computador detectou como vírus!
Dias depois, papi, na verdade Loprefâncio Caparros, estava comentando com Fridolino Xexeo a conversa que tivera com a filha. Fridolino, sempre otimista, aconselhou:
- Para curar seu complexo de feiura, acho bom você ir trabalhar num instituto para cegos.
- Por que me aconselha fazer isso?
- Acho que lá você poderá melhorar sua autoestima. Se Saint-Exupéry estiver certo, de que só se vê bem com o coração, as pessoas de lá irão enxergar sua beleza interior.
-Ah, deixa de bobagem.
- Não é bobagem, não. Você conhece aquele personagem do Millôr Fernandes, o Parco de Alcântara?
- Sim, eu me lembro de ter lido essa fábula, “A Aventura”.
- Está lembrando de como ele era feio? Disse Millôr: “Nasceu baixo e nasceu feio. Cresceu feio e baixo. À proporção que os anos passavam tornava-se mais baixo e mais feio... Com o tempo ficou, além de feio, calvo. Além de calvo, míope, teve que usar óculos grossos, feios. E sobreveio-lhe uma anemia que lhe amarelava a pele, tornando-o, se possível, ainda mais feio”.
- Coitado, esse aí dá dó. Certamente não conseguia nada com as mulheres.
- Ele bem que tentou um ou outro caso sentimental, procurando naturalmente mulheres baixas e feias, mas nada conseguiu. Era demasiado baixo e feio.
- Até que lhe apareceu uma jovem e linda – falou Loprefâncio.
- Parco andava por uma rua deserta, tarde da noite (por causa do complexo, só se arriscava a andar por ruas onde não havia ninguém). De uma janela do segundo andar de um prédio, essa mulher o chamou. Depois de se certificar que o chamado era para ele mesmo, sem esperar o elevador, subiu as escadas esbaforido, imaginando coisas. Basicamente pensava que gente grã-fina tinha comportamento estranho, que finalmente ia “chover na sua horta”. Quando chegou ao segundo andar, a jovem, linda, o pegou pela mão, enquanto dizia: “O senhor é um anjo”. E o levou até o quarto de dormir.
- Acho que você está de sacanagem com o Millôr - interrompeu Loprefâncio. – Desse jeito, ninguém mais vai comprar o livro. Você está contando tudo.
- Bobagem, isso é apenas o resumo de uma das histórias. Estou é fazendo propaganda.
- Já que é assim, conta o desfecho.
- Chegando ao quarto de dormir, Parco viu uma menina de uns dois ou três anos deitada na cama, com os olhos vermelhos de chorar. Encolheu-se de terror ao ver Parco de Alcântara e ainda mais quando a linda senhora disse: “Está vendo? Mamãe não disse? Se você não parar de chorar imediatamente o Papão vai lhe comer”.  E Millôr concluiu a fábula, dizendo: “Quem ama o feio tem algum outro objetivo”.
- Está certo, existem casos piores do que o meu. Mas não estou vendo a relação desta fábula com a sugestão de ir trabalhar num instituto para cegos.
- O que Millôr não contou é que, depois do acontecido, Parco de Alcântara caiu em profunda depressão. Foi salvo quando o padre de sua paróquia lhe arrumou emprego num instituto para cegos. Já na primeira semana, sua autoestima deu acentuados sinais de melhora. Hoje, ele até se arrisca a andar pelas ruas do bairro em horários movimentados. Sua palidez diminuiu, e é possível perceber um brilho em seus olhos por trás das grossas lentes dos óculos.
- Será que ele conseguiu um relacionamento afetivo lá no instituto?
- Não sei, pode ser – falou Fridolino, coçando a cabeça. – Eu me perco entre citações contraditórias:  o essencial é invisível aos olhos; - só se vê bem com o coração; - o que os olhos não veem, o coração não sente; - quem ama o feio, bonito lhe parece e/ou quem ama o feio é porque o bonito não lhe aparece; - o amor é cego. – E conclui: - Meu medo é uma das meninas pretendentes tocar o rosto de Parco com as mãos. Aí, dana tudo. Você sabe: mais do que o brasileiro, é com as mãos que o cego enxerga.
Etelvaldo Vieira de Melo

2 comentários:

Fátima Fonseca disse...

Então, prefiro ver com o coraçao. Lembra da Bela e a Fera?
Abraço Etevaldo!

Anônimo disse...

Às vezes podemos ficar mesmo melancólicos e achar que tudo está horrível(que o diga as mulheres), é o cabelo, a pele, as unhas, as pernas, os braços na hora de dar tchau, etc..
Melhor mesmo é SE ENXERGAR com o coração e então não dependermos da opinião alheia.
O coração alegre, embeleza o rosto. ��������������������

Marcia Costa

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