SOB A BARRAGEM DA INCONCLUSÃO

A frase distingue-se do período pela síntese.
Aquela abdica de complementos;
esse necessita-os como prioridade.
No último caso, as ações transparecem respaldadas
pelo verbo. Excesso de vocábulos. Desperdício oracional.
Frase, amigos, é questão de catarse. Rompimento da barragem mental
lato sensu, dando lugar ao imediatismo da fala ou escrita.
 Frente aos últimos
acontecimentos, urge que as autoridades não se demorem na tramitação
burocrática de papéis por assinar.
Em suma, que optem pelo estilo célere.
Quem acompanhou o processo de irrupção dos dejetos em Brumadinho,
através da oportunista mídia, sabe que a despedida abre comportas de lágrimas, flores,
prenúncios. Seriam consumidos aí setenta bilhões de dólares exclamativos,
dez navios de vírgulas penhorados a feijão, cem mil parênteses iniciais para ajuda textual,
duzentos bilhões litros cúbicos de citações filosóficas,
 objetivando descrevê-lo.
No entanto, cabe-nos hoje a brevidade discursiva,
diante da espetacular saudade ímpar
         vivida pelos familiares dos desaparecidos sob a lama.
Pergunto: De que serve a volta completa de sete bilhões de palavras sem finalidade?
Gastar enunciado em lugar de
enunciação, ou seja, reprisar
prolixamente o que sentimos, seria menos eficaz que utilizar
o sinóptico gesto de
união.

Sacrificados no desastre utilizaram, sim, esta imprescindível frase: “SOCORRO!”.
Teriam os céus compreendido tal
extensão vocabular?
A tradução do horror em três mínimas,
mas absolutas sílabas
alcançaria o infinito?
  
Lembremo-nos de Castro Alves in Navio Negreiro:
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! Noites! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...


O duro apelo ao Senhor do Universo
assujeita-O à peleja em prol dos menos favorecidos.
Poderíamos pensar até numa irônica chantagem do poeta
para com o Salvador. Nos primeiros versos,
dispara em desatino: Deus! Ó Deus, onde estás que não respondes? /
Em que mundo, em que
estrela tu te escondes / Embuçado nos céus?/
Há dois mil anos te mandei meu grito, /
Que embalde, desde então, corre o infinito... /
Onde estás, Senhor Deus?...
De fato, nos momentos fatídicos praticamos idêntica estratégia.
Todavia, por que não permanecemos silentes?
Tratar-se-ia, então, de economia no sentido textual para se alcançar rápido o objetivo.
A expressividade do étimo “Silêncio!” faz calar o hospital, a reunião, a guerra.
Sofrimentos ruidosos da doença recuam sem eco.
Uma fuga de Bach no Palácio das Artes transforma-se em retorno.
Mediante o significado, qualquer náufrago conhece a força do “Salve-me!”.
Assegura-se, antes, de que a mão a estender-se poderá libertá-lo
da instantânea infernal tragédia humana.
Observem: o estouro nas comportas da barragem psíquica
enviará ao analista um “Ai, doutor!”,
e, após, em solo firme, o cérebro descansará.
Acredito que um helicóptero em cima desse mar conflituoso
há de jogar-lhe cordas e o recolherá.
Quanta emoção
extravasada em termos ínfimos:
“Fogo!”, “Gol!”, “Vai”, “Rápido!”, “Pronto!”.
Interjeições, meus caros, nutrem bebês,
moços, anciães, nações, universos.
Enfim, propus jamais neste texto me alongar.
Contudo, respinga em nossa alma o aluvião
brumoso do acidente mineiro.
Sói mencioná-lo sempre, porém alforriado de julgamentos precoces.
Mal soubemos da calamidade,
já nos dispusemos a condenar os (im)prováveis culpados.
É justo, senhores,
perguntaria o baiano Castro Alves;
é justo aproveitar o fatal destino dos

mortos, visando a destruir os vivos
e suas edificações?
A justiça acaso se faz olho por olho, dente por dente?
Afoitos carrascos
do irmão, escutem claramente o brado:
Cuidado!
Sombra de dúvida acerca da angustiosa
situação do senhor Presidente da Empresa Vale,
quando lhe atiramos ao rosto não lama, mas
agravo: difamação, desrespeito, descrédito?
Afirmo continuar o indesejado das gentes pedindo:
- Represente-me, professora, diga ao mundo: “CALMA! ”.

"DEVAGAR!"

"DE VAGAR!"
  
       Finalizando a delicada tarefa de proferir esta mensagem,
ofereço-lhes duas frases cheias de afeição:

        “CRÊ NA VIDA. FÉ NA VALE”.
Graça Rios

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