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Loprefâncio Caparros, por causa de sua lerdeza, seu retardo mental, e
que ele prefere chamar de PFC (Prolapso de Fim de Curso), deixou muita coisa
importante passar despercebida ao longo de sua estrada da vida. Foi isso que
ele pensou frente a dois fatos recentes.
O primeiro se deu por ocasião do velório e do enterro de Dosalina
Bubina, esposa de Madurinho Cruz. A certa altura, ele foi apresentado a um
sujeito que atendia pela alcunha de Manoel Português. Estabelecendo conversa,
quase sem levar em conta a presença da defunta, Manoel, com a voz esganiçada e
com sotaque de gente do interior, carregando os erres, foi logo dizendo:
- Pois a gente se conhece.
- Eu não me lembro de sua senhoria – falou Loprefâncio.
- A gente se conhece de infância. Não está lembrado da ocasião em que a
gente jogava bola? Quando dei um dibre
nocê, ocê veio e me deu um chute na canela.
- Tá de brincadeira.
- Não! Quando falei procê num fazê
aquilo, ocê veio e me deu uma cuspada na cara. Ocê era ruim.
E Manoel prosseguiu:
- Quando falei pro seu pai, ele deu uma reiada nas suas costas. Eu sei cocê tem essas marca até hoje.
As pessoas em volta pediram para que Loprefâncio mostrasse as marcas
das relhadas.
Ele, rindo de satisfação, disse, tentando aparentar seriedade e
modéstia:
- Este é um dos maiores traumas de minha infância. Tenho vergonha
dessas marcas, que não mostro pra ninguém.
A conversa entre Loprefâncio e Manoel prosseguiu, os dois dando boas
risadas. Até se darem conta de que a defunta podia não estar gostando (“Ocês vieram aqui pra me velar ou para
conversar fiado? Onde está o respeito?”).
O outro fato se deu quando da missa de sétimo dia de um colega e amigo
de adolescência.
Um outro colega documentava a cerimônia, gravando vídeos e tirando
fotos com seu aparelho celular. Quando a cerimônia chegou ao fim, ele se
aproximou de Loprefâncio, dizendo:
- Não sei se falo ou deixo de falar pra você uma coisa.
- Pode falar sem susto – disse Loprefâncio.
- É algo pra daqui a seis meses, lá pra janeiro do ano que vem. Falo ou
não falo?
- Fala logo, que você está me deixando agoniado.
- Então, vou falar. Eu quero tirar uma foto sua.
- Ah, é isso! Ora, isso pode. É só caprichar no foto shop.
E o colega tirou a foto de Loprefâncio, que, por causa do ambiente
solene, esboçou só um meio-sorriso.
Depois, o fotógrafo comentou:
- A foto é a pedido de alguém. Você precisa ficar sabendo: tem gente
que gosta muito de você.
Loprefâncio olhou de relance para os presentes da igreja, quase todos
seus colegas de adolescência. Quem seria o autor do pedido? Pode ser que o
fotógrafo estivesse fazendo uma brincadeira, falando aquilo para todos da
turma. Pode ser que havia alguém que queria mesmo sua foto para promover alguma
coisa em janeiro. Mas quem e o quê?
Loprefâncio lembrou os tempos de infância, quando parques de diversão
se instalavam na cidade. Entre as atrações, havia o serviço de alto-falante,
onde pessoas ofereciam músicas:
- Esta música alguém oferece para alguém, que sabe quem, como prova de
muito amor e carinho.
Loprefâncio olha despistado para os presentes. Quem é que pediu para
tirar uma foto sua? Como pode ser qualquer um que está na igreja, ele sai dali
cumprimentando todo mundo, igual político em véspera de eleição, pegando na mão
de cada um. Entre eles vai estar seu “amigo secreto”.
Os dois fatos acima reforçam a necessidade que Loprefâncio sente de ter
de fazer com urgência uma terapia de regressão com sua sobrinha, a psicóloga
Dri. Se hoje ele tem assentada a convicção de que sempre foi um “bundão”, um
medroso e um otário, a conversa com Manoel Português mostra que, pelo menos na
infância, ele era “marvado”. Depois, na adolescência, ele conseguiu despertar
sentimentos de carinho e amizade que perduram até hoje. Tanta coisa boa vem
numa hora em que sua autoestima anda lá embaixo, ele achando que ninguém gosta
dele, nem seus amigos internautas curtem suas postagens e comentários. Daí, o
sentimento de alegria incontida, mesmo diante daqueles momentos de tristeza e
de dor.
Etelvaldo Vieira de Melo
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