Imagem: minilua.com |
Estou assistindo a uma assustadora série pela Netflix de nome “Privacidade Hackeada”. Ela desvenda os
bastidores da eleição presidencial americana em 2016, quando a ação da agência
inglesa Cambridge Analytica contribuiu decisivamente para a vitória de Donald
Trump.
De acordo com os testemunhos, em especial de Brittany Kaiser,
ex-diretora de Desenvolvimento Empresarial da própria Cambridge Analytica, essa
agência, usando dados armazenados de usuários do Facebook, conseguiu fazer um
mapeamento do perfil dos eleitores americanos, com destaque para os que eram
chamados de “persuasíveis”, isto é, aqueles eleitores cuja convicção não era
firme e que, por isso, podiam ser manipulados. Para eles foi montada uma
bateria especial de informações, propaganda e, notadamente, de fake News,
notícias forjadas, enganosas. ”Nós os bombardeávamos
com blogs, artigos nos sites, vídeos, anúncios... Todas as plataformas que pode
imaginar. Até que vissem o mundo como nós queríamos. Até que votassem no nosso
candidato” – disse uma das testemunhas.
E tudo deu no que deu.
Em certo momento de sua fala, Brittany Kaiser mencionou algo que me
pareceu assustador: “As empresas mais
ricas são as de tecnologia: Google, Facebook, Amazon, Tesla. E a razão pela
qual essas empresas são as maiores do mundo é porque no ano passado dados superaram o petróleo em valor.
Dados são os recursos mais valorizados da Terra. E essas empresas são valiosas
porque elas têm explorado os recursos das pessoas”.
Para se entender o alcance destas palavras é preciso relacioná-las com
o que disse Mark Zuckerberg, dono do Facebook, para a Comissão Judiciária e do
Comércio do Senado dos Estados Unidos, quando o escândalo eleitoral veio à tona:
“Minha principal prioridade sempre foi a
missão social de conectar as pessoas, criando comunidade, fazendo o mundo ficar
mais próximo”.
Sem dúvida, muito bonita esta fala. Ela mostra, no entanto, como é
acertado o ditado que diz “de boas intenções o inferno anda cheio”. Quando o
Facebook, a pretexto de aproximar as pessoas, começou a coletar dados de seus
usuários, estava criando produtos que poderiam ser vendidos pra Deus e pro
Diabo. Infelizmente, sabemos quem acaba comprando tudo: as agências de
publicidade e seus anunciantes, políticos e pessoas inescrupulosas em busca de
dinheiro, fama e poder.
A eleição americana é um retrato disso: eleitores tendo suas
privacidades violadas de forma sutil e desonesta, sendo induzidas a dar o voto
não necessariamente ao melhor candidato, mas àquele que se prestou a fazer um
jogo de mentiras e manipulações.
Estará a Política condenada a ser cada vez mais um jogo de mentiras? O
ser humano está condenado a se tornar cada vez mais uma marionete, um fantoche,
uma “maria-que-vai-com-as-outras”?
Entre as pessoas com quem converso, muitas acham razoável trocar suas
privacidades pelo uso gratuito do Facebook. Acontece que a troca não é tão
simples assim: junto com a privacidade, estão vendendo a própria liberdade.
Está passando da hora de resgatarmos nossos dados desses grandes grupos de
tecnologia. Ninguém nasceu para ser massa de manobra. Nascemos para o exercício
da Liberdade, ela que nos torna humanos, donos de nossas vidas e responsáveis
por nossas decisões. As pessoas hoje estão se tornando sectárias, medrosas e
rancorosas, estando confinadas em “comunidades” (guetos, na verdade), em
permanente estado de hostilidade e de guerra com as outras “comunidades”. O
discurso de tornar o mundo mais próximo é uma balela, um engodo. Se não
abrirmos os olhos e não tomarmos uma atitude, estaremos semeando o caos e a
destruição de nossa própria espécie.
Nota: Steve Bannon chefiou a campanha de Trump e também foi vice-presidente
da Cambridge Analytica. Segundo Chris Wylie, ex-empregado da Cambridge, Bannon
segue esta ideia: “Se você quiser mudar fundamentalmente a sociedade, primeiro
tem que destruí-la. E somente depois de destruí-la é que pode remodelar
os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade”. Curiosamente, Steve Bannon
presta assessoria também a Jair Bolsonaro.
Quando observamos o presidente usando sistematicamente uma política de
ódio e de medo, com discursos perversos contra as minorias, os nordestinos, as
vítimas de massacres em presídios, os desaparecidos durante a Ditadura Militar,
os que passam fome e os que vivem pelas ruas, talvez seja hora de irmos
ajuntando os pontos, uma coisa com a outra, considerando que tamanha ignorância
pode estar a camuflar uma certa lucidez, uma inteligência pensante. Talvez,
quem sabe, isso seja uma estratégia para destruir de vez a tremeliquenta
democracia brasileira. Talvez, quem sabe, seguindo roteiro traçado por Steve
Bannon, aquele autêntico terrorista, aquele que prega a destruição da
sociedade. Talvez, além de tudo, estejam achando que Judiciário, Legislativo,
Forças Armadas e Grande Imprensa estão a dar respaldo para que o Mito puxe a
espada e, tal qual o He-Man, esbraveje: “EU TENHO A FORÇA!”.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Pouco depois de publicar o texto acima, li a seguinte declaração de Jair Bolsonaro em jantar na embaixada brasileira em Washington, no dia 17 de março, segundo relato de Kennedy Alencar: "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer".
Suas palavras reproduzem o que disse Chris Wylie sobre Steve Bannon: "Ele segue a ideia de que, se você quiser mudar fundamentalmente a sociedade, primeiro tem que destruí-la...". Isso mostra o acerto da hipótese que levanto, de que o discurso de ódio e de mentiras faz parte de uma estratégia de desconstrução da sociedade brasileira. E.V.M.
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