Passando em frente a uma capela-velório de determinado
cemitério, vislumbrei este cenário: no centro da sala estava um caixão; ao seu
lado, um castiçal daqueles grandes, com a vela acesa; sentada num banco
lateral, havia uma mulher, com o rosto cabisbaixo.
Tudo era simples naquele ambiente: o caixão era de ripas
armadas, revestidas de tecido roxo, a mulher estava vestida de maneira pobre,
não havia aquelas tradicionais coroas de flores.
Em um primeiro momento, tal cenário me fez voltar no tempo
para minha pequena cidade natal, quando morria alguém. Se o falecido era rico,
além dos tradicionais avisos espalhados pelo serviço de alto-falante da igreja
matriz (“A família de fulano de tal comunica aos parentes e amigos o seu
falecimento, ocorrido..., e convida para seu sepultamento a ser realizado...”),
tinha ele também direito à missa de corpo presente. Se o defunto era pra lá de
rico, tinha o acompanhamento do vigário até o cemitério.
A população da cidade quase inteira se mobilizava para
aquele evento; todos procuravam se vestir com esmero, retirando dos armários vestes-especiais-cheirando-à-naftalina.
As ruas que davam acesso ao cemitério ficavam interditadas para veículos,
enquanto que o dia se transformava naturalmente em feriado municipal.
Quando o defunto era uma pessoa pobre, o cenário era bem
outro. Ninguém tomaria conhecimento, não fosse o aviso pelo alto-falante da
igreja, a cidade não quebrava sua rotina. Muitas vezes, além dos quatro
carregadores, o féretro tinha a companhia de duas, três pessoas mais. O caixão
era transportado à margem da estrada, os acompanhantes iam de cabeça baixa,
quase que em gesto de pedido de desculpas por estarem incomodando as pessoas,
feito o morto da “Construção”, de Chico Buarque, que viveu na contramão
atrapalhando o público e morreu na contramão atrapalhando o tráfego.
Fico pensando: o ser humano não toma jeito; até na hora da
morte, ele julga que uns valem mais do que os outros. Minha esperança é que
fique valendo aquilo que Gilberto Gil cantava na sua música “Procissão”: Jesus
prometeu vida melhor para o pobre que vive nesse mundo sem amor, mas só depois
de entregar o corpo ao chão, só depois de morrer nesse sertão.
Enterro de pobre
que encobre tão bem
a dor que causou
Adeus de alguém
que parte sem sentir
tudo aquilo que deixou
Sentimento escondido
em coração marcado
procurando esquecer
Esquecer o adeus
a dor e o vazio
... para sobreviver
Etelvaldo Vieira de Melo
2 comentários:
Por aqui não mudou muito, só não anúncia mais na igreja mais o carro de som passa avisando nas ruas que "fulano comunica o falecimento do seu ente querido"... quando ao dia de finados fale apena lembrar da tradição ir ao cimeterio um dia antes lavar os túmulos e no dia de finados levar flores em forma de homenagear aqueles que partiram e deixaram muita saudade aqui!
Por aqui além da homenagem a saudade aperta ainda mais da lembrança do tanto que minha vó importava com essa tradição!
Assim que a Dindinha faleceu, erá assim que Ela gostava, nunca vovó.
A mãe plantou um belo jardim em sua cova com rosas ê outras flores.
Mais tarde fez o túmulo.
Quando a mãe faleceu fiquei sentida, ganhou coroa de flores artificiais ê não foi enterrada no túmulo dá Dindinha
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