Para Júlia (Deusarina Rebelada), filhinha querida, pelo aniversário dia 22, com os votos de toda felicidade possível e imaginável.
Eis que chegamos, finalmente, à Hora D do Dia H, com
a vachina contra a covid começando a espetar os
braços das pessoas. Daí, é de se esperar que uma luz acenda no final do túnel desse
caos que tomou conta da humanidade há mais de ano, permitindo, por fim, que as
pessoas se abracem e se amem, sem medo e sem pudor.
Se
essa luz é boa de um lado, também é ruim de outro. Explico: boa porque o ser
humano é um animal social, gregário (esta palavra, inédita no meu vocabulário,
surgiu na minha cabeça, assim sem mais nem menos); ruim porque a convivência
social cobra um preço caro.
Não
entendeu? Explico: por causa de nossas carências afetivas, muitas vezes abrimos
mão do que realmente é importante para nós, para atendermos ao que os outros
nos cobram, seus desejos e expectativas.
Confinado
há quase um ano, tenho desfrutado quase tão somente da convivência de Percilina
Predillecta e de Thor. Percilina já atingiu o patamar de me amar
espiritualmente, tendo ultrapassado a barreira do físico, descobrindo as minhas
belezas interior e metafísica; Thor tem por mim um amor quase incondicional,
que se satisfaz com afagos e trocas de ocitocinas através de olhares (a
ocitocina, também chamada de Hormônio do Amor, é produzida pelo hipotálamo e
liberado a partir da neuro-hipófise – dando um verniz científico ao texto).
Com
a perspectiva de conviver com outros seres humanos, passei a me observar mais
atentamente através dos espelhos aqui de casa. Olhando para um que me reproduz
de corpo inteiro, quase tive um tono adrenérgico, seguido de uma acinesia (ia
escrever “choque anafilático”, mas achei esta outra expressão mais bonita). Boquiaberto, olhando pro meu reflexo,
perguntei:
-
É você, Eleutério, essa figura macilenta, de poucos cabelos desgrenhados e de
barriga tão proeminente? Coitado! Quando sair à rua, tome cuidado para não
espantar as crianças, como se fosse um bicho-papão!
Fiquei
deveras preocupado. Lembrei-me, então, de uma ideia que cultivo faz certo
tempo. A ideia de uma nova invenção, espelhoshop® ou mirrorshop®,
surgiu assim:
Tempos atrás, na portaria do edifício onde
estava fazendo tratamento dentário, existia um enorme espelho, tomando conta de
toda a parede lateral. Enquanto aguardava o elevador, ocasionalmente olhava
para ele, pro espelho, sentindo aumentar o meu estado de depressão. Pensei: a
partir de certa altura da vida, olhar prum espelho é como levar uma facada no
coração; daí, por que não disponibilizar para as pessoas um sensor (microchip),
capaz de fazer uma leitura de suas fisionomias quando se olham no espelho? Os
dados coletados serão, imediatamente, convertidos e as imperfeições corrigidas,
com a imagem refletida atingindo 98,9% de melhoria. Assim, as pessoas
irão se ver bonitas e atraentes.
Muitos podem alegar que já existem as
plásticas, os botox e os photoshops. Sei disso, mas também sei que tais
produtos são caros, proibitivos para quem mal consegue frequentar uma loja de
R$1,99. Mas que não se assustem os capitalistas: o novo visual frente ao
espelho será possível somente para aqueles que fizerem o implante do tal
microchip (mirrorshop®) na orelha, pagando módicos R$39,99. O refil, com 12
meses de vida útil, sairá ao preço de R$19,99. Quando esse novo produto for
comercializado, o índice de satisfação das pessoas estará lá em cima, mesmo que
as aparências verdadeiras estejam lá em baixo.
Foi isso que pensei, e tal ideia surgiu
quando havia um programa do governo chamado “Minha Casa, Minha Vida”.
Parodiando o dito cujo, imaginei que o invento poderia se chamar “Meu Espelho,
Minha Alegria”. Aqueles que se sentissem incapacitados, financeiramente, de
adquirir o mirrorshop® poderiam se inscrever num programa de bolsas do governo.
Tal ideia me volta agora, com o fim do
confinamento, com as pessoas tirando as máscaras e se olhando cara a cara, com
risco de muitos choques anafiláticos.
Em outra circunstância, quando alguém
olhava para você e ria, você pensava: - Iiii..., está rindo de mim! – e caía
numa depressão profunda. Agora, quando alguém rir, antes de fazer juízo de
valor, você tira um espelhinho do bolso (pode ser daquele oval, com mulher pelada
no verso), olha (pra figura refletida) e pensa feliz: - Ah, ele está rindo para
mim!
Agora que rompemos as barreiras com os
chineses, acho que fica mais fácil pedir para eles fabricarem esse meu invento.
A colocação do microchip pode ser feita junto com a aplicação da vachina, sendo
que quem aderir à campanha terá desconto de 15% na aquisição de um kit (o
microchip mirrorshop® e um refil). Creio que esta será uma ‘boa logística’
(dando um verniz pazuellano ao texto). Com tais cuidados, os tempos pós-pandemia
serão da mais pura felicidade.
Quem não irá gostar do invento serão os
autores de autoajuda, os cortellas, karnais e pondés da vida. Também tenho a
leve desconfiança de que Deusarina Rebelada, que é cirurgiã plástica, também
não vai gostar nem um pouco da proposta.
P.S. Se algum amigo leiturino souber mandarim e
puder me ajudar, podemos contatar a embaixada chinesa em Brasília. O esquema da
placa do microchip está guardado a sete chaves no cofre aqui de casa. Desde já,
agradeço.
2 comentários:
Kkk.Adorei!!
Gostei muito...😂😂😂
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